‘O que não falta crime é organizado em MT’
Por THAISA PIMPÃO/Diário de Cuiabá
16/02/2014 - 06:49
Coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), o promotor de justiça Marco Aurélio de Castro afirma esperar uma solução em breve para a ausência de um delegado da Polícia Civil atuando junto com o Ministério Público.
Ele garante, todavia, que sua expectativa não se dá por uma questão de sobrevivência. Sustenta que promotores e policiais militares vêm trabalhando satisfatoriamente desde 2002, quando foi criado o grupo.
Marco Aurélio afirma ainda que a Polícia Civil só não participa das investigações porque não tem interesse. Segundo ele diversas reuniões foram realizadas, mas até hoje nenhum delegado se dispôs a integrar o Gaeco.
Em entrevista ao Diário, o coordenador avalia também que a decisão que suspendeu as investigações contra o vereador por Cuiabá João Emanuel (PSD) se deu devido a um equivoco de interpretação. Para ele, a lei é clara ao estabelecer o Gaeco como uma estrutura que possibilita a presença da Polícia Civil, não que obrigue.
Ele ressalta ainda que, caso a decisão seja mantida, todas as demais investigações do Grupo poderão ser questionadas judicialmente e, então, “teremos várias pessoas soltas na rua”.
DIÁRIO - Para começar, o vício na composição do Gaeco, apontado por decisão liminar, já foi corrigido?
CASTRO – Esse alegado vício não vai ser solucionado da noite para o dia. Vamos retroagir aos idos de 2002, quando foi criado o Gaeco pela lei complementar 119 de dezembro daquele ano. Ela foi sancionada pelo então governador Rogério Salles e veio exatamente na época em que os ministérios públicos Estadual e Federal combatiam de frente a estrutura criminosa de Arcanjo [João Arcanjo Ribeiro, ex-bicheiro]. E é bom dizer que esta é uma leitura técnica minha. Eu não estava no Gaeco em 2002. A proposta foi a de criar uma estrutura de Estado para que todos falassem a mesma língua no combate ao crime organizado. Tanto é, que a lei prevê a possibilidade de o Gaeco ser preenchido por Ministério Público, Polícia Militar e Civil. É público e notório o fato de que nós não temos delegados de polícia e nem agentes policiais civis, e não é por falta de interesse do Ministério Público. Essa é uma questão de ideologia que muito se discutiu no Brasil. Vivemos, até junho do ano passado, uma grande crise que foi a PEC 37. Até aquele momento, seria inviável a presença de um delegado aqui, porque o próprio Sindicato desses profissionais dizia que o MP não poderia investigar e era, inclusive, contra a formação do Gaeco. Pela lei, ninguém tem poder de chegar à Polícia Civil do nosso Estado e obrigar alguém a fazer parte. [O Gaeco] É uma estrutura de Estado que possibilita sua presença, mas aí é que gira o equívoco que notei. Temos hoje uma estrutura grande de policiais militares, homens competentes que, certamente, ficarão muito honrados com a presença da PC, mas hoje temos essa força [MP e PM] que deu certo.
DIÁRIO – O senhor acha que a Polícia Civil é desnecessária dentro do Gaeco?
CASTRO – Necessária, e muito! Acredito que, em um futuro próximo, teremos delegados aqui dentro e agentes policiais civis. Voltemos em junho de 2013, quando a PEC 37 que tirava o poder de investigar do MP foi derrubada. O assunto se encerrou, morreu. A própria população carregou a bandeira contra a PEC, foi às ruas e se manifestou nesse sentido. O resultado foi que o próprio Congresso Nacional derrubou a possibilidade. Então, voltando um pouco, a mesma lei que cria o Gaeco fala em dois mecanismos de investigação: inquérito policial e procedimento administrativo investigatório. Se o inquérito é do delegado, o procedimento é do promotor. Quando se fala que o Gaeco terá delegado é para propiciar uma força única, falando a mesma linguagem. O procedimento administrativo investigatório é o nosso PIC [Procedimento Investigatório Criminal], que todos já disseram que pode existir. É simples fazer a leitura de que, quando se fala de inquérito, se fala de delegado. E vou além, a lei diz o seguinte: cada integrante do Gaeco exercerá, respectivamente, suas funções institucionais, conforme previsão constitucional e legal. O nosso poder de investigação está na Constituição. Se uma lei vem e limita, ela é inconstitucional, porque o próprio Supremo [Tribunal Federal] já disse o MP como titular da ação penal. Quem pode o mais, pode o menos, que é investigar, ou seja, para você exercer algo precisa dos meios e eles estão aqui, no procedimento administrativo investigatório. E a própria resolução do Conselho Nacional hoje determina o que deve conter em um PIC, como quebrar sigilo. Ninguém faz nada aqui fora da legislação. O que estamos vendo são decisões isoladas, fazendo leitura limitativa do Gaeco. É sonho que tivesse MP, PM e PC, mas, desde 2002, tudo funciona muito bem, Ministério Público e Polícia Militar. Mas esperamos em breve solucionar isso, não por uma questão de sobrevivência, mas para que falemos a mesma língua no combate ao crime organizado.
DIÁRIO – O Sindicato dos Delegados aprovou a decisão liminar que interrompeu as investigações por concordar com o argumento de que há vício na composição do Gaeco. Há algum tipo de disputa interna, isto é, rusgas entre o Ministério Público e a Polícia Civil sobre quem seria o responsável por conduzir as investigações?
CASTRO – Veja bem, nós não temos a delegacia especializada, o GCCO [Gerência de Combate ao Crime Organizado]? Eles não combatem o crime organizado? Nós também fazemos isso. Tem trabalho para todo mundo. O que não falta é crime organizado em Mato Grosso. Eu converso muito com os delegados na expectativa de somarmos. Ninguém quer disputar poder com ninguém, cada um tem sua atribuição. Independente da presença da Polícia Civil, o promotor que estiver no Gaeco vai continuar investigando. Não precisa nem vir para cá, pode ir lá para as promotorias. Se um dia tivermos um delegado aqui, ele terá as funções dele, de acordo como Código de Processo Penal. Onde me parece que existe uma certa rusga é com relação à coordenação do Gaeco. Pela lei, o coordenador é o representante do Ministério Público. E eu tento explicar que a função de coordenação não é hierárquica, é meramente administrativa, porque aqui tem orçamento. Temos que deliberar verbas, pagar diárias, ou seja, precisa de alguém à frente. Lá em 2002, o então governador entendeu que, nesse cenário, dos três, quem coordenadoria essa vida administrativa seria o membro do Ministério Público. Eu sempre digo isso aos delegados: não há hierarquia! O dia em que vocês vierem, terão uma sala como eu tenho, tomarão o café que eu tomo e os mesmos policiais que trabalham para mim vão trabalhar para vocês. Esse me parece ser o debate. Ele, porém, acaba no momento em que se lê a lei, onde está descrito que cada um tem sua atribuição e não há subordinação nenhuma. E é mais importante esclarecer uma coisa: o Gaeco é uma função do Estado, porém o orçamento vem todo do Ministério Público. Do investimento à manutenção! Os policiais militares recebem pela nobre Polícia Militar, mas o pagamento de diária é o Ministério Público quem faz. O café que se toma aqui dentro é o MP quem paga, do mesmo modo as viagens e os cursos. Tudo é custeado por nós. Como não seríamos coordenadores dessas despesas? Fica a pergunta!
DIÁRIO – Há alguma previsão de quando um delegado da Polícia Civil passará a fazer parte do Gaeco? O senhor acha que isso tem que ser feito logo para evitar novas decisões liminares como essa?
CASTRO – Não vou tentar resolver essa decisão judicial. Essa decisão tem que ser resolvida no ambiente de destaque dela, ou seja, no Tribunal de Justiça. Se o entendimento for mantido, cabe levarmos o caso ao Superior Tribunal de Justiça. Mas volto a dizer: o Ministério Público não tem o poder e jamais vai partir para o ato de requisitar um delegado. Isso está previsto em lei, não somos chefes de ninguém, é uma força do Estado. Se o delegado tiver interesse, que venha, pois será muito bem-vindo!
DIÁRIO – O senhor sabia dessa obrigatoriedade da presença da Polícia Civil dentro do Gaeco? Se sim, mesmo que o senhor diga que não pode obrigar ninguém a vir para o grupo, não haveria algum tipo de esforço que pudesse ser feito para solucionar esse impasse, isto é, cumprir o que a lei determina?
CASTRO – Sabia desde o dia em que eu entrei aqui. Nós fizemos inúmeras reuniões no sentido de implementar essa omissão, mas não tivemos resposta adequada, ou seja, não ouvimos “vamos levar um delegado até aí”. Se você me pedir um ofício indicando um delegado para vir para cá, não tem. O que fizemos foram reuniões. Se você pesquisar, verá que a posição, pelo menos do Sindicato dos Delegados no Estado, sempre foi contrária a ter Polícia Civil aqui dentro. Eu não precisei buscar a Polícia Militar, ela veio. Por quê? Nos unimos. O que o Ministério Público espera é se unir com as demais forças.
DIÁRIO – Mas o senhor acha pertinente comparar a atuação das polícias Militar e Civil dentro do Gaeco, haja vista que a primeira é complementar, isto é, essencial para colocar em prática o que é descoberto pelo serviço de inteligência, enquanto a Civil realiza o mesmo trabalho do Ministério Público nesse contexto?
CASTRO – O poder de investigar está na mão tanto da Polícia Civil, quanto do Ministério Público. A Polícia Militar cumpre ordens de serviço. Por exemplo, se eu quiser pedir a quebra do sigilo telefônico de alguém, entro com pedido judicial de interceptação telefônica. Mas eu não vou fazer o trabalho, quem intercepta é a PM aqui dentro. É imprescindível a presença da Polícia Militar. O que eu quero dizer é o seguinte: até então, vivemos sem a Polícia Civil. Mas é evidente que aumentaríamos o grau de eficiência com mais gente trabalhando, ainda mais com a experiência de delegados notáveis. O promotor não presta concurso para investigar e sim para o Ministério Público, e investigar é uma de suas funções. Já o delegado é feito para aquilo. Então, a presença dele seria muito importante. Mas aí me refiro a delegados que tenham interesse, de fato, em vir. O interesse nosso é de receber, mas preciso que haja interesse em vir e, até então, não tive.
DIÁRIO - O senhor acha que a suspensão da investigação criminal contra João Emanuel foi um incentivo à impunidade?
CASTRO – Não diria isso! Eu diria que fiquei surpreso com a argumentação. Respeito a opinião do desembargador, mas não concordo com ela. A minha expectativa é de que a gente pudesse fazer o serviço para o qual somos pagos para fazer. Estamos brigando para trabalhar pela população. Nós deflagramos a operação Aprendiz e ela demonstrou - não sou eu quem está dizendo, as próprias provas, o vídeo mostra isso, assim como a busca e apreensão por meio da análise documental, que agora está na mão do promotor Mauro Zaque, no Núcleo de Defesa do Patrimônio Público - que há um grande indicativo da prática de fraudes na gestão da Câmara Municipal.
DIÁRIO - O senhor está convencido da culpa de João Emanuel?
CASTRO – Eu estou convencido de que os fatos são graves e de que nós precisamos prosseguir com a investigação para delimitar as culpas. Naquele vídeo, o vereador se incrimina na questão moral, na questão de demonstrar como se pratica fraudes em licitação como gestor da Câmara Municipal. Isso é muito grave em um ambiente moral. O que o Ministério Público quer agora é continuar com a investigação para poder dizer: “aqui está a fraude”. Nós já estávamos nesse caminho, quando ocorreu a suspensão indicada pelo desembargador.
DIÁRIO – Nesse momento, como está a situação? O Gaeco foi notificado? As investigações foram paralisadas efetivamente?
CASTRO – Já recebemos a notificação! Está determinada a suspensão e o Gaeco não faz mais nada nesse caso, porque é um cumpridor de leis. O procedimento está parado aguardando uma decisão judicial. Queremos continuar investigando. Vamos esperar a decisão de mérito e desejo estar aqui comemorando. O Tribunal pode afastar esse equívoco cometido e restabelecer a ordem jurídica na questão da possibilidade de o Ministério Público investigar ou não.
DIÁRIO - Se prosperar nas instâncias superiores a tese acatada pela Justiça de que há vício na composição do Gaeco, as operações já realizadas pelo grupo correm risco de ser anuladas?
CASTRO – Quando tomamos pé da situação, eu disse em bom tom e digo novamente: o mesmo pau que bate em José, bate em Zé. Esse é o princípio da igualdade, ou seja, se for nulo para essa operação, que seja nulo para todas. Eu acho que se o Tribunal entender que o Gaeco não pode investigar sem delegado, todas as operações estão fadadas a ter questionadas suas legalidades. Se essa for a posição do Tribunal, vão ser anuladas todas. E teremos várias pessoas soltas na rua. Mas não quero entrar nessa seara porque não é de minha responsabilidade. O nosso serviço está sendo feito. O que a gente espera é que se acatem os argumentos lançados pelo procurador que oficiou no habeas corpus e, pelas informações que eu prestei, de que a Polícia Civil é muito bem-vinda e o dia em que ela vier o inquérito policial vai nascer no Gaeco.