Nico para sempre
Por por Kleber Lima
18/06/2012 - 17:50
Em quase 20 anos de atuação profissional na imprensa de Mato Grosso, fiz poucos amigos na política, fruto da relação entre jornalista e fonte. Cinco, ao todo - o que se conta nos dedos de uma só das mãos. Nico Baracat era um deles. Sua partida mutila parte de mim, faz sangrar meu coração.
Nico era deputado estadual de primeiro mandato pelo PMDB quando nos conhecemos. Eu iniciava minha carreira de repórter de política. A rigor, ele não era uma boa fonte no início. Aparentava estar ali no meio dos demais deputados de forma inadvertida. A mim me parecia que havia algo de simplório e ingênuo na sua atuação.
Aos poucos, contudo, percebi que a ingenuidade era minha. Não demorou para eu descobrir que Nico era um genuíno espécime da política de Várzea Grande - onde se aprende de berço a ler gestos e comportamentos, como num bom jogo de truco espanhol, antes das palavras. Que nem tudo que se diz, em política, é o que se faz. Que se precisa ter capacidade de ler o não dito, as entrelinhas, mais que o anunciado.
Herdeiro da notável Sarita Baracat e do Seo Caboclo, Nico tinha berço na política do contato direto, do pé de ouvido, e sabia como ninguém perceber e compreender o movimento da rua, dos campos de peladeiros, dos botequins onde os agentes políticos entronizavam suas estratégias, fazendo brotar do nada as notícias que só sairiam nos jornais um tempo depois. Quando saiam.
Para os que, acaso estejam me lendo nesse momento e possam me questionar por que, então, ele não era um político bem-sucedido, respondo: reavalie seu conceito de sucesso!
Para mim, e para o Nico, sucesso em política é defender o que se acredita com entusiasmo e devoção, com firmeza e coerência. Vencer uma eleição ou ocupar um cargo público não são, definitivamente, os principais fatores que se deve levar em conta para avaliar as virtudes de um homem público. Mas sim os métodos que ele utiliza e os princípios que o move.
Não sei dizer quando Nico deixou de ser fonte e virou amigo. Nunca tinha pensado nisso. A mim basta saber que de um dado momento em diante, falar com ele, ouvir sua opinião sobre política ou futebol, fazer uma troça com algum amigo em comum, marcar um chopp, pedir-lhe ou dar-lhe um conselho - essas coisas que habitam a relação entre amigos – já compunham a nossa rotina.
Nico foi um dos primeiros a ir nos visitar quando nasceu nosso primeiro filho. Por motivos mais culturais que religiosos, eu e minha mulher o escolhemos para padrinho do nosso filho caçula - e tivemos a alegria e a honra de ele ter aceitado. Na formação cultural que recebi, o padrinho é o segundo pai do afilhado, e assumirá as responsabilidades do pai na sua falta. Esse tipo de responsabilidade a gente só delega àqueles em quem confiamos plenamente e com quem temos laços de sangue ou outros ainda mais sólidos. Nico era, portanto, um irmão mais velho, às vezes mais novo, a quem eu confiaria a guarda do meu próprio filho.
Por ter convicção que, na minha falta, Nico lhe cuidaria e lhe ensinaria a viver com retidão e honestidade, a ser fraterno e solidário, a ter decência, a ser sincero, a ter respeito pelas pessoas, a ser simples, mesmo estando em posição importante.
E por uma razão muito simples: esses eram os valores do Nico, herdados de Dona Sarita e Seo Caboclo, repassados a Kalil e Emanuelly, compartidos com Fernando, Cleonice e tantos quantos tiveram a alegria de conviver com ele, na imensidão da sua simplicidade.
A história que conheço do Ernandy Maurício Baracat de Arruda, o meu amigo Nico, é a história de um homem extraordinariamente simples e encantador, alegre, perseverante e honrado. Que morreu trabalhando com a mesma dignidade que sempre pautou sua vida, servindo a um governo que ajudou a conquistar como militante aguerrido, prestando seus serviços à sociedade, acreditando que podia melhorar a vida das pessoas.
E é essa a memória que meu filho terá do melhor padrinho que pudemos lhe dar - mesmo o Nico não estando mais aqui para ampará-lo quando eu faltar. E quando essa hora chegar, rogo para que meus filhos tenham de mim o mesmo orgulho que tenho de ser amigo do nosso inesquecível Nico Baracat, amigo para sempre!
Em sua homenagem, transcrevo abaixo o poema Funeral Blues, do anglo-americano Wystan Hugh Auden, na versão do tradutor Nelson Ascher:
“Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e que o tambor sancione
a vinda do caixão com seu cortejo atrás
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto — um laço no pescoço —
e os guardas usem finas luvas cor-de-breu.
Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto
viveu, meus dias úteis, meu fim-de-semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto;
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar estrelas — são molestas —
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de dar certo doravante”.
(*) KLEBER LIMA é jornalista e Diretor Geral de HiperNoticias.