Procura-se Susan desesperadamente
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17/06/2012 - 08:04
Romance de folhetim foi um tipo de entretenimento, além de qualquer outra coisa. Publicar capítulos de romances em jornais e isso ser lido e guardado e relido por tantos… não vejo definição melhor que entretenimento. Em função da crônica de algumas semanas atrás, recebi dois e-mail gratificantes: um falava da identificação e re-encontro com um antigo namorado e outro me pedia um favor, que eu encontrasse o seu amor. Veja bem, a responsabilidade é tanta e deveras sofisticada (envaideci com o pedido, reconheço), através de uma crônica, eu deveria avisar a pessoa desaparecida que há alguém que lhe ama e gostaria de encontrá-la. Além disso, eu não poderia dizer nomes. A única coisa que eu poderia utilizar seriam versos de músicas do Chico Buarque. Eu demorei para escrever esta crônica, na verdade, creio que não consegui fazê-la da melhor maneira (se é que há alguma). Eu viajei no feriado, não consegui escrever sobre. Pensei em ignorar o pedido e falar da estrada, da neblina, das araras e da possibilidade de evaporar-se. No meu prazo final (invento meus limites) sentei e só consegui digitar: procura-se. Depois, em alguma situação, alguém me disse: sua vida pode ser inundada em um segundo. Então, pensei em criar um romance de folhetim, com personagens e capítulos e fazer desse romance a busca do amor perdido, inventando para achar, escrevendo para poder mentir. Quem sabe ela lê romances antes de dormir e, talvez, ela possa ler os capítulos do folhetim, que irá falar dela, quase sem querer. Eu pensei que a pessoa poderia ter me enviado uma foto, para eu saber descrevê-la. Nada. A única coisa que sei é que ela tinha uma blusa cor de laranja, ou que um dia apareceu vestida assim, na rede de televisão local. Além disso, sei também (ou posso estar inventando) que a primeira vez que eles se viram, foi em uma tarde de domingo. Ela estava calçada um velho sapato amarelo, sujo e bastante desbotado. Uma das coisas que ela mais se orgulhava era nunca ter lavado o tal sapato. De imediato, eles não se falaram. Era uma dessas festas, onde tocam as bandas que em quase todo clube existe. No início ele não teve coragem de ir falar-lhe. Não, acho que ela não era assim tão bonita, mas tinha lá seu charme. O medo dele era da sua pose. Sim, porque o que mais ela tinha, e ainda pode ter, era pose. Mesmo usando um sapato velho e amarelo. Talvez fosse por isso, enquanto todas as outras garotas estavam calçadas sapatos bico fino, de salto italiano, ela estava de sapato amarelo e sujo. Não, ela não era fedida. Gostava de tomar banho, tomava cerca de quatro ou cinco banhos por dia. Usava cremes para o corpo, loção perfumada e água desodorificada. Tinha os cabelos curtos e um crisma no pescoço. Acho que ela sempre usou óculos, não sei bem te dizer isso, mas desde que ele a conheceu, ela já usava óculos. Depois de um certo tempo, sei que isso fica meio vago, mas não anotei as horas e nem o tempo que ele demorou para ir falar com ela, o certo é que foi. O exato momento em que ele chegou ao seu lado, sentiu o cheiro da sua loção perfumada misturada com desodorante, nesse exato momento, o banco em que ela estava sentada quebrou e ela caiu no chão. Muitas gargalhadas. E ele não teve dúvidas, abaixou-se e ajudou ela se levantar. Foi a primeira vez que os olhares se cruzaram. Foi nesse exato segundo, ou menos que um segundo, que ele teve a certeza de que nossos corpos são movidos por algo estranhamente encontrado nos olhares. E foi quando ele se viu refletido em um olhar que teve a certeza de não temos controle sobre nossas emoções e coisa parecida. Não sei se a CRÔNICA irá funcionar, sei que ela é uma ficção e tudo pode ser apenas uma invenção. Mas, tal o filme com a Madona, que já invadiu muita sessão da tarde, há alguém procurando uma pessoa desesperadamente e se a crônica ajudar a encontrar, tudo valerá mais ainda. Como folhetim, na próxima semana invento mais sobre a busca, que é sempre minha.
*Juliana Curvo é professora de literatura e colabora com o DC Ilustrado (jcurvo@gmail.com)