Neste 1º de maio, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso completa seus 140 anos de instalado, após ter sido criado pelo Decreto nº 2342, de 6 de agosto de 1873, sob a égide do Brasil Império.
Naquela oportunidade, chamado de Tribunal da Relação da Província de Mato Grosso, era composto por quatro desembargadores e constituía-se de cinco comarcas, a saber: Cuiabá, Corumbá, Cáceres, Diamantino e Sant’Ana de Paranaíba.
Hoje, com a estrutura tripartite da República, sendo o Judiciário uma das pilastras do Estado Democrático de Direito, a estrutura e a organização dos Tribunais, dentre os quais o de Mato Grosso, passaram por grandes transformações, para atender às demandas crescentes e mais complexas.
Dessa sorte, nos tempos hodiernos, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, após a Carta Política de 1988, alcançou o total de trinta Desembargadores, dos quais vinte e quatro provêm da Carreira da Magistratura Estadual e seis do Quinto Constitucional (três do Ministério Público Estadual e três da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso), para dar conta da prestação jurisdicional demandada nas setenta e nove comarcas e, com isso, registra mais de um milhão de processos em tramitação.
De lá para cá, embora os números de sua organização tenham crescido, não é demais lembrar que o salto que se verificou no país, como um todo, e em Mato Grosso em particular, em quase um século e meio, não guarda termos de comparação, porque a sociedade, moderna e contemporânea, mudou radicalmente não só em termos quantitativos, mas, sobretudo, em termos de exigências, próprias dos novos tempos, da modernidade, dos avanços sociais, políticos, culturais, científicos e tecnológicos. Enfim, tem-se, hoje uma realidade sociocultural inimaginável há 140 anos atrás. Portanto, os idos de 1874 representam os primeiros passos do Judiciário neste Estado, então Província de Mato Grosso, abrangendo, então, o atual Estado de Mato Grosso do Sul e o de Rondônia, antes Território do Guaporé.
A preocupação com números e estatísticas sociais constitui ênfase da sociedade contemporânea, em que os interesses marcados pela subjetividade misturam-se e disfarçam-se entre os interesses coletivos. É a hegemonia dos dados estatísticos, pelos quais os indivíduos compõem um todo, traduzido em termos percentuais. Essa é uma mudança de perspectiva, ou de paradigma, que marcou e marca a sociedade globalizada.
Por essa razão, os números não permitem comparar, grosso modo, o quantitativo de feitos enfrentado pelo Tribunal da Relação da Província de Mato Grosso, proporcionalmente, em face do quantitativo das demandas que percorrem o Tribunal de Justiça de Mato Grosso, na atualidade.
Esses números preliminares (cinco comarcas) do Tribunal da Relação e quatro desembargadores contra setenta e nove comarcas, trinta desembargadores e mais de um milhão de feitos em tramitação, na atualidade, permitem evidenciar o descompasso entre as duas situações, em que, sem dúvida, em que pese a toda a contribuição do emprego da tecnologia informacional moderna, ao que parece, a prestação jurisdicional, paradoxalmente, tornou-se mais precária, ao longo da República.
É de considerar, contudo, que os reflexos da Revolução Francesa que trouxeram à tona o universo das reivindicações que marcam, nos dias de hoje, o exercício da cidadania sobre a coisa pública (res publicae), no Estado Republicano Moderno, gradativamente, abriram espaço a que a prestação jurisdicional, antes só reivindicada por classes sociais mais favorecidas economicamente, passasse a constituir a pauta das classes sociais ditas despossuídas.
Logo, a ampliação do exercício da cidadania, ainda que não tenha atingido a maioria da população, em termos da prestação jurisdicional, sem dúvida, deu um gigantesco salto quantitativo, sem que, proporcionalmente, tenham sua estrutura e a organização judiciárias acompanhado a demanda.
Aliás, pode-se afirmar que esse não é um “privilégio” do Judiciário. Nada obstante a todos os avanços e conquistas sociais, o fato é que, inegavelmente, essa constatação estende-se, de forma lamentável, a todas as atividades essenciais do Serviço Público deste país, quais sejam: Educação, Saúde, Segurança e Justiça, seja esta a institucional, seja a social, sobretudo porque as políticas públicas só emergem para nefastos fins eleitoreiros.
Infelizmente, o crescimento quantitativo, em todos os seus aspectos, não foi devidamente acompanhado pelo desenvolvimento socioeconômico que teria levado este país ao concerto das nações consideradas desenvolvidas.
Resistente às intempéries, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso completa seus 140 anos, e, como já destaquei em texto anterior a ele dedicado, mais do que centenário, mantém-se sujeito e, ao mesmo tempo, testemunha de sua história, conforme registram seus arquivos, vivos ou mortos, antigos ou modernos, e guardam, silentes, discretos, recolhidos, histórias gloriosas, por vezes e, por outras, nem tanto.
Apenas dez anos – que, na linha do tempo histórico da humanidade, é quase nada – separam-no de seu sesquicentenário! Por seus corredores, quanta história, em tão pouco e em tanto tempo que a locomotiva deixou para trás, mas tem pela frente o infinito!
Quantos por seus corredores transitaram, ou ainda transitarão, julgados ou não? Pelo sim, pelo não, merece este Tribunal comemorar o tempo que já venceu e investir no tempo que já vem, como bem o disse o cantor e poeta da MPB, Chico Buarque, “desde o ano passado para o mês que vem, que já vem, que já vem...”, a exemplo de Pedro pedreiro que espera o trem...
Em honra da importância de seu papel junto ao corpo social, gostaria de prestar-lhe uma breve reverência, sobretudo pela independência que deve ter, notadamente nesses tempos conturbados, de tanta violência e de disputas políticas acirradas e, não raro, pouco, ou nada, éticas.
Em que pese a tão lamentáveis circunstâncias históricas, que cercam não apenas a sociedade brasileira, mas grande parte da ordem política internacional, e ainda que alguns países conservem-se monárquicos, como é o caso da Inglaterra, o Estado Moderno, fruto do processo civilizatório, sustenta-se no equilíbrio dos poderes constituídos.
Com lastro nessas rápidas digressões, assevero que, por este Tribunal, já passaram muitos homens honrados e de grande cultura, como aqueles que ainda integram suas hostes, símbolos que são de independência, defensores da lei e da justiça, e que dedicam, ou dedicaram, sua vida em prol da construção e do aperfeiçoamento deste Judiciário, a serviço da sociedade e da prestação jurisdicional. Confundem-se eles com a tradição histórica desta instituição, dignos que são da liturgia do cargo que ocupam, ou ocuparam.
Por tudo isso, em honra dessa tradição e da liturgia da Justiça, cabe às gerações que ora se formam, suceder-lhes na condução do bastão, a ser levado rumo ao desconhecido, ao imprevisível. Se por mais não fora, urge que se preparem os magistrados do presente para o futuro, imediato e o remoto, na certeza de que os modelos de hoje poderão ser inadequados e insuficientes para a sociedade do porvir.
A história do conhecimento tem mostrado que toda evolução experimenta o antes, o agora e o depois, numa sequência, cujo presente constitui o elo de ligação, necessário, imprescindível, entre o passado e o futuro; sem essa integração, não há evolução possível. A novidade de hoje será o ultrapassado de amanhã, assim como os modelos se renovam, mas jamais se perpetuam como novos, porque, tão logo se atualizam, estão superados no momento seguinte. É assim que caminha a produção do conhecimento através do tempo, atravessando toda a história da humanidade.
Diante disso, a Justiça, enquanto instituição, integra e acompanha essa realidade, cumprindo-lhe administrar as relações sociais no mundo jurídico, em consonância com o contexto sócio-situacional, em cada época, e segundo suas circunstâncias sociojurídicas. Não só por isso, a instituição judiciária precisa aparelhar-se com novos instrumentos tecnológicos e com novos modelos de recrutamento de seus quadros, que se devem dotar da capacitação necessária e exigida para jurisdicionar nas novas realidades, em que são gestados problemas cada vez mais inusitados, por vias cada vez mais exóticas.
Basta considerar, por exemplo, a reação que se vem forjando, para se destacarem os indivíduos nas chamadas redes sociais, advindas da globalização das comunicações. Assim, vias como facebook, blogs etc, enfim, todas aquelas que utilizam a rede mundial de computadores, têm constituído ambientes não só desse processo neoliberal subjetivista global, como também de práticas delituosas ou criminosas, muitas vezes, de difícil solução, porque os aparatos, repressivo, policial e judicial dos estados não estão suficientemente preparados para combater nessa frente de batalha, além do que não há orçamento público possível que possa suprir as necessidades ilimitadas de atualização tecnológica permanente, em geral sustentada pelo grande capital privado, nas mãos de poderosos grupos financeiros.
Diante desse quadro dramático, mas não só por isso, os poderes do Estado Moderno e Contemporâneo estão em crise. As imagens televisivas dão a dimensão do desaparelhamento dos Estados para debelar as ações aparentemente desordenadas para estabelecer o caos pela intensa mobilização, por tudo e por nada, contra a atuação estatal, ao que parece.
É nesse contexto social que a Justiça hodierna deve dizer a que veio e qual o seu papel. Por tudo isso, indiscutível o mérito da magistratura, em seu mister de guardiã da democracia, dos direitos, das garantias sociais, enfim, do exercício da cidadania, neste momento especialmente crítico da história da humanidade, quando, ao invés de evoluir, muitos indivíduos insistem em regredir à barbárie.
Não apenas por isso, que já é bastante, estendo a todos os Colegas da Magistratura a homenagem que ora presto ao insigne Desembargador José Barnabé de Mesquita, imortalizado no busto que representa sua imagem de homem íntegro, figura impoluta e valorosa que tantos anos de sua - não longa existência, diga-se de passagem - dedicou, como timoneiro, a este Tribunal.
Permanece seu busto, tal sentinela perene, firme, desperta, indormida e consagrada que, incansavelmente, guarda este Tribunal, como se sobre ele estendesse sua toga, qual manto protetor, recobrindo e preenchendo, com sua lembrança, todos os espaços deste Sodalício que jamais o relegou ao esquecimento... Tanto é assim que ostenta seu busto, como um troféu de todos que integram esta Corte de Justiça, enlaçados pelo Colar do Mérito Judiciário e condecorados com a Medalha do Mérito Judiciário José Barnabé de Mesquita.
Encerro esta mensagem com os comoventes e preciosos versos no magistral soneto de poeta parnasiano retardatário, que o insigne e ínclito Desembargador José Barnabé de Mesquita o era e, por não mais que isso, caprichosamente os urdiu, com a delicadeza de joalheiro das palavras, para homenagear a querida Cuiabá:
CIVITAS MATER
Meu carinho filial e meu sonho de poeta
Veem-te, ó doce cidade ideal dos meus amores
Em teu plácido vale, entre colinas, quieta,
Como um Éden terreal de encantos sedutores.
Tuas várzeas gentis estreladas de flores
Sagram-te do sertão a Princesa dileta
E o sol te elege, quando, em íris multicores
Na esmeralda dos teus palmares se projeta.
Nenhuma outra cidade assim à alma nos fala,
Dos teus muros senis a tradição se exala
E a nossa História inteira em teu brasão reluz.
Ainda hoje em teu ambiente, ó minha urbe querida,
Paira dos teus heróis a sombra estremecida
- Nobre Vila Real do Senhor Bom Jesus!
Cuiabá, outono de 2014.
Des. MÁRCIO VIDAL,
Vice-Presidente do TJMT,
Ex-Corregedor-Geral de Justiça,
Ex-Diretor da ESMAGIS-MT.