Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Sociedade de risco
Por por Gonçalo Antunes de Barros Neto
23/06/2014 - 17:28

Foto: arquivo

No lugar comum das vaidades humanas, o recato sempre teve seu destaque. A honra e o ambiente recluso, familiar, são preocupações constantes aos que se preservam do avanço da crítica infundada. Seja no Direito ou na vida social, a importância dada aos assaques das injurias, calunias, e difamações se fizeram caros, com a criação de mecanismos legais ou morais de anteparo.

            Acontece que tudo mudou. Não há mais honra que se preserve imaculada e nem ambiente que persevere na paz dos esquecidos. O direito ao esquecimento é coisa do passado. Uma nota, um apontamento, é suficiente para ganhar o mundo nos arquivos digitais. A idiotice é acreditar na indiferença do tempo. Estamos todos amarrados a uma mesma sementeira, a de frutos duvidosos, dos boatos, das injustiças e dos farisaicos e autoritários comentários dos que se arrotam no dever da língua felina.

            Segundo Jeremy Bentham, a natureza colocou a espécie humana sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. E acrescentaria eu – a dor dos masoquistas e o prazer dos sádicos. Parece que há uma tendência a isso. A história está sendo desenhada por essas figuras. O medo (dor) das críticas está sendo elevado a patamares nunca vistos. A ninguém é dado à aventura, arriscar-se pelo sonho. Somente os masoquistas o fazem. O prazer, também, tem seu viés na tragédia humana. Se sentir realizado e feliz causa espécie e pode naufragar diante de uma calúnia. O sucesso criainimigos, o conhecimento traz aborrecimentos. Os sádicos estão a postos, gostam da miséria alheia, zombam da inveja. Exemplifiquemos.

            Uma determinada categoria profissional se sente mais realizada com a sua vitória ou com a derrota de outra? O amigo se sente feliz com o crescimento do outro, por lhe ter acompanhado e desfrutar de sua proximidade, ou se infelicita pela própria estagnação? O programa policial que exibe a desgraça alheia tem considerável audiência por nos ensinarcomo não proceder ou por nos colocar como expectador da derrocada de outrem, esquecendo a nossa?O vizinho está mais a se preocupar com a sua sorte ou com a do lado? No homicídio, o que atrai mais a atenção, o corpo inerte ou o homicida algemado? Na diligência policial, a ação dos agentes do Estado ou o resultado? A fotografia ou os fatos?

            Senhores e senhoras, a sociedade atual é de risco. A qualquer momento e em qualquer instante o recato e a simplicidade de sua vida pode mudar, sem dó e piedade. Somos apenas números numa comunhão de estatísticas.Transformaram-nos emsádicos e masoquistas no espaço da felicidade. O simplório, recatado, que se preserva por medo a um vilipêndio moral, está fadado à estagnação. O mundo passou a ser dos audaciosos na prática do sofrimento próprio ou de terceiro. Há um preço a ser pago, a desonra ou a imersão.

            Isso tudo me faz lembrar Kant, que dizia: “Não ensino para gênios, pois sendo estes tão bem dotados abrirão seu caminho por conta própria; nem para estúpidos, porque não valem a pena; mas ensino em benefício daqueles que se encontram entre essas duas classes e querem estar preparados para seu futuro...”. O mundo vai tendo sua lógica, e, aquina planície, a nossa. É por aí...

 

GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é Juiz de Direito e escreve aos domingos em A Gazeta (e-mail: antunesdebarros@hotmail.com).

            

 

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