Há algum tempo, assumi minha adicção num artigo impactante sob o título “Eu perdi uma batalha”. Me referia ao tempo em que era usuário de drogas, e também a forma como um senador da República invadiu minha vida particular para expô-la de forma covarde.
Dispensei clínicas, religiões e conselhos, mas disposto, e com muita força de vontade, superei, assim como supero a cada dia esta doença, com determinação, com a crença num poder superior, a família e uma irmandade chamada Narcóticos Anônimos, que aliás, funciona. Fui além, coloquei como missão de vida que ajudaria outras pessoas e famílias que ainda sofrem.
De lá pra cá, descobri em mim habilidades que nunca imaginei ter, a capacidade bem mais elaborada de falar em público, o enfrentamento aos adversários de cara limpa, a coragem e ousadia além da média.
Enfim, quando se sai da escravidão das drogas, encontramos um mundo de infinitas possibilidades dentro de nós, e nos redescobrimos todos os dias.
É sabido que cheguei a ser, por certo tempo, candidato ao Governo do meu estado. Para um ‘ex-morador da cracolândia’, é quase um salto para o céu.
Foi aí a chance de ouro que encontrei de chamar a atenção para este problema tão grave na sociedade, e já no primeiro programa eleitoral causei impacto. Tanto que todos os então oponentes tiveram que reservar um capítulo especial para tratar do assunto.
Me dei por satisfeito por pautar este tema fortemente, e em quase todas as entrevistas expressar a necessidade de, juntos, combatermos este mal do século.
Por uma questão protocolar (não prestei contas em eleições anteriores). Afinal, já tinha desistido da própria existência e sequer sabia se chegaria vivo em 2014, me tiraram da disputa este ano.
Isso não me incomoda. Meu nome e número estarão nas urnas, portanto, cheguei até o final, me arrastando mas cheguei.
Posso ter menos que os 22 votos que tive para vereador, mas o mais importante já aconteceu: toquei o coração das pessoas, acendi esperanças já recolhidas, dei orgulho para minha família e amigos, e mais ainda, mostrei o quanto uma pessoa pode ser capaz estando limpo.
Gastei menos de 10 mil reais para cumprir minha missão. Um preço baixo para mostrar para as famílias que ainda sofrem que existe esperança, um mundo melhor, e mais que isso, a libertação das drogas!
Quanto ao projeto político, este não me importa. Embora tenha deixado um gostinho de quero mais, criado simpatias, resgatado sonhos e esperanças.
Vejo que as pessoas - tirando o ranço dos adversários - me respeitam e gostam do meu jeito. De certa forma, mostrei meu valor, sem perder a ternura e sem aceitar qualquer tipo de vassalagem.
Deixei um bom recall, ficarei na lembrança das pessoas por algum tempo, e estou pronto para outros embates, em qualquer nível.
Se vou ser candidato novamente, não sei. Posso ser, mas não necessariamente serei.
O que importa é esse processo empolgante e extremamente curto que é a vida, a liberdade em todas as suas dimensões, a esperança acesa todos os dias.
E, para finalizar, digo que continuarei meu trabalho humilde, mais sereno que nunca. Retorno à minha lide jornalística e escrevendo meus livros, tudo com bom humor, além, claro, de continuar no resgate de vidas e acendendo chamas incandescentes de esperanças.
Criei um exemplo, um conceito talvez, e não tenho o direito de decepcionar ninguém. Afinal, Deus não me trouxe até aqui pra isso. Me trouxe para dizer, além de qualquer resultado ou desfecho do processo eleitoral, que já sou um vitorioso.
Outros, assim como eu, também podem vencer. E no que se refere a questão política, direi sempre, por esta experiência, que alguém humilde, saído do meio do povo e sem dinheiro, pode enfrentar os poderosos de cabeça erguida.
Esta, talvez seja a melhor sensação por qual passei desde que me livrei da escravidão das drogas. Aliás, sobrevivi pra isso.
E se alguém me perguntar em que época você gostaria de ter vivido e porque, responderei, sempre: nesta!
Pelo simples fato de que protagonizei uma história, de ódios e paixões, lutas e sofrimentos, onde todo e qualquer resultado de qualquer maneira, foi bom pra todo mundo.
Inclusive, para meus adversários, que experimentaram o fel, para seu próprio crescimento. Assim, talvez, possam refletir e passar a respeitar um homem, esteja ele em qualquer condição.
JOSÉ MARCONDES MUVUCA é jornalista em Cuiabá.