"sssa era a vontade dela", afirma a família
Desde os nove anos de idade, a pequena Antônia (nome fictício) avisava a família da vontade de ser doadora de órgãos. Na última quinta-feira (14), já com 14 anos, ela teve a morte encefálica declarada, após três dias internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Regional de Cáceres. Em meio ao luto, a família da adolescente se reuniu e decidiu atender seu pedido. Seus órgãos foram levados ontem de Cuiabá para dois estados brasileiros.
A história foi contada pelo pai de Antônia, que devido à ética de transplante, também não será identificado com o nome verdadeiro. O encontro com o Diário foi em um quarto do Hospital Santa Rosa, onde estava acontecendo a captação dos órgãos da menina.
Ele contou que o acidente aconteceu na madrugada de domingo (10). A caminhonete S10 em que a filha estava com colegas bateu em uma árvore. Ela foi a única que perdeu a vida. Antônia foi transferida para Cáceres, mas não resistiu. E foi aí que começou a batalha da família.
“Assim que tomei conhecimento de que não teria mais volta, fui atrás da minha família e nos lembramos da vontade que ela tinha. Todos concordaram e demos início ao processo”, disse o pai de Antônia.
Quando acontece a morte encefálica, a pessoa perde todas as funções neurológicas. Sendo assim, o funcionamento dos
órgãos é mantido pela respiração artificial – por meio de aparelhos.
Na conversa, ele mostrava o RG da menina, que não informava que ela era doadora. “Quando esse documento chegou sem essa especificação, ela ficou bastante nervosa, irritada. Mas disse para a gente que, independentemente disso, já sabíamos da sua vontade e que caso acontecesse algo, era para doar tudo”, disse.
Atualmente não é mais necessário deixar por escrito que a pessoa deseja ser doadora. Basta a autorização dos familiares, por exemplo, para que isso aconteça.
Para o pai, assim como outros familiares, a menina já sabia de sua missão. “Ela dizia que não ia passar por essa vida sem ajudar os outros, sempre afirmava que a missão dela era essa, ajudar, viver para os outros”, lembrou.
Depois do acidente, ficou claro à família do que se tratava. Segundo o pai, realizar o desejo da filha era como concluir a missão que ela tanto falava. “Ela era uma menina doce, tranquila e cheia de amigos”, afirmou.
Sendo assim, conforme a direção do Hospital Santa Rosa, foram doados os dois rins, fígado, pulmões, coração e as córneas. Assim que retirados, os órgãos já foram levados, pois depois que estão fora do corpo, só “sobrevivem” por mais algumas horas.
O coração, assim como os pulmões, só pode ser mantido fora do corpo por no máximo seis horas. Os rins possuem uma vida mais longa, podendo ficar até 48 horas fora do corpo. Já o fígado possui metade desse tempo, ele pode ser mantido fora por no máximo 24 horas.
“Não sabemos para quem serão doadas, já que é tudo feito pela Central de Doações do Estado, além de respeitar a ética de transplantes”, explicou Nara Nasrala, diretora da unidade.
Segundo ela, o Estado é quem realiza a busca ativa de doadores. Nesse caso, a única informação que se tem é de que os órgãos vão para Goiânia, Brasília e São Paulo. O corpo da jovem chegou na manhã de ontem na unidade de saúde para a realização da captação.
Em todo o Mato Grosso, o Santa Rosa é o único hospital com capacidade de realizar uma ação como essa. Por lá já acontecem transplantes renais e, por isso, foi acionado pela Central de Transplante para atender o caso.
“Disponibilizamos a sala, a equipe e aguardamos a chegada das equipes de fora, que vão receber os órgãos. Além disso, tem a equipe do hospital, que fica com os parentes da pessoa que vai realizar a doação, como aconteceu nesse caso”, disse a diretora.
Agora, da jovem, ficam as lembranças. A família lembrou que a cidade está comovida com o caso. Ela nasceu e foi criada em Campo Novo dos Parecis (391 km de Cuiabá).
Ela era a caçula de uma família de cinco filhos. Um dos irmãos da jovem disse em uma rede social que não há palavras para expressar a dor da família. “Chegou apenas para trazer amor a toda família e, após concluída sua missão, foi embora”.