Escreve Fernando Pessoa: ‘Da mais alta janela da minha casa/Com um lenço branco digo adeus/Aos meus versos que partem para a humanidade’. Sim, escreve-se algo que sempre parte. Como vai (?), como chega (?), se bem... Ou com tristeza. Para encantar ou edificar, atingir ou tergiversar, não importa, é só desbravo.
E continua Pessoa: ‘E não estou alegre nem triste/Esse é o destino dos versos/Escrevi-os e devo mostrá-los a todos’. Cria-se para a vida, nasce para todos, e do tudo ei-lo para caminhar. Não voltará para Pasárgada, ainda que Bandeira.
O verso importa; Alberto Caeiro o afirma, criatura na arte... Quem pode desmentir? Partiu, sim; e ganhou sustância, na visão romântica, ao tempo suplanta. Escrever para si?
Com Baudelaire sabemos que a grande loucura da moral usurpa em todas as discussões literárias o lugar da pura literatura. ‘O Belo é mais nobre que o Verdadeiro’? Se o acaso for por afirmativa, então a arte é maior que a ciência. Se ao infinito não se chega por números, a poesia alcança o impossível.
Para onde anda o lugar comum? Pelos versos se sabe do incomum. São como os seres extraordinários, Vips sem ‘carteirada’. Caminham e se fazem notar, do ordinário se tira a ovação.
Um dia conhecemos o ‘maluco beleza’ e chegamos à ‘Caetanada’, de cueca nas formas sociais, na sala de artistas modernos. Quem se lembra da bailarina? São versos que se apagam; mas partiram e teve a quem chorá-los, com um lenço branco, dizendo adeus.
Para se entender o mundo, aliás, o novo mundo, somente munido de um lenço; lenço de cor, vermelho como as lágrimas dos versos da vida, da vida levada por Zumbi, Gandhi, Luther King, Mandela, Tiradentes, Alan Berg, Madre Tereza, Frei Betto, Pedro Casaldáliga, Leonardo Boff, Hanna Arendt, Maria da Penha, e tantos outros que não se contentaram em somente ouvir o apito do guarda da esquina.
A cada verso que parte, ainda que nos ‘bailes da vida ou num bar em troca de pão’ (Milton Nascimento), choramos. E perguntamos: Onde estará ruminando? Quão semente lançada ao vento, o verso é de preza fácil para aqueles que sabem amar. A terra é arada.
As conquistas que temos nos arvoram em caminhada. De verso em riste, força maior que as armadilhas. A cada baforada de meu cachimbo, vejo em escrita o que sinto em pensamento, devemos dialogar. E dialogando em sentimento, livres somos para marchar. A liberdade não tem passagem e dela não se cura, inata o necessário. Se a preço alvissareiro, as veias na luta irão sangrar. De poesia se cuida, as armas a derrotar. Fujam os efêmeros, do tempo, mais que em seu tempo, a avançar.
É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO escreve aos domingos em A Gazeta (email: antunesdebarros@hotmail.com).