"Dizem que há religiões suficiente no mundo para os homens
se odiarem uns aos outros,
mas não para que se amem".
A Constituição Federal consagra, dentre várias outras garantias, a liberdade de crença, de manifestação do pensamento (vedando o anonimato) e a proteção ao livre exercício dos cultos religiosos, seus locais e suas liturgias.
Prescrevendo que o Brasil é um país laico, protege-se o direito de cada pessoa poder escolher sua religião sem embaraço de ninguém (inclusive do próprio Estado), e, noutro giro, tenta abolir a ignorância, o fanatismo e a intolerância, que diga-se de passagem, nestes tempos parecem aflorar a cada dia.
Segundo o grande jurista José Afonso da Silva, em sua obra Direito Constitucional Positivo, “a liberdade de escolha da religião, a liberdade de aderir a qualquer seita religiosa, a liberdade (ou o direito) de mudar de religião, também compreende a liberdade de não aderir a religião alguma, assim como a liberdade de descrença, a liberdade de ser ateu e de exprimir o agnocismo. O que não se permite é a liberdade de embaraçar o livre exercício de qualquer religião ou de qualquer crença”.
O proselitismo, do latim eclesiástico “proselytus”, pode ser entendido como as diligências e o empenho de converter uma ou mais pessoas ou determinados grupos, a uma determinada causa, ideia ou religião. É uma conduta válida, primeiro porque o cidadão pode fazer tudo que a lei não o proíbe, segundo porque é dessa forma que as instituições religiosas expandem as suas fronteiras e a sua doutrina para além de seus muros.
Assim, podemos entender que os discursos de exortação e ensinamentos de lideres religiosos, seja dentro de seus templos ou fora deles, estão garantidos pela Carta Maior da República. O que se precisa discutir é se os excessos e a falta de limites de algumas falas – muitas vezes agressivas/ofensivas a determinados grupos sociais - seriam o exercício daquela garantia ou se configuraria abuso de direito, caracterizando algumas das espécies de crimes contra a honra e até mesmo solicitando uma pronta intervenção do Direito Penal.
Sem sombra de dúvida que a liberdade religiosa não é um passaporte livre para o cometimento de crimes contra a honra de outras pessoas.
E o que fazer quando essas ideologias se chocam? De um lado a liberdade de expressão religiosa e de outro lado a dignidade e a honra da pessoa humana. O Supremo Tribunal Federal/STF, por diversas vezes em que se manifestou sobre casos de choques de ideologia, assentou o entendimento de que poucos direitos fundamentais se revestem de caráter absoluto, cabendo, na maioria das vezes o sopesamento de um sobre o outro no caso concreto, para que se decida qual o mais adequado.
Esse entendimento também é adotado pelo Poder Judiciário e pelos Ministérios Públicos, exemplo é o caso da Rede de tv Bandeirantes que, após o apresentador Datena emitir declarações preconceituosas contra cidadãos ateus em um de seus programas, foi obrigada a exibir 72 vezes um vídeo produzido pelo Ministério Público Federal/MPF com o objetivo de conscientizar a sociedade brasileira da laicidade do Estado.
Por fim, entendemos que a vida em sociedade requer o diário reconhecimento de uma obrigação passiva genérica, ou seja, um dever jurídico de não indignar ou molestar quem quer que seja. Logo, precisamos reafirmar que todas as nossas condutas devem respeito às leis e às normas jurídicas do país e que sem respeitar as diferenças e a alteridade dificilmente conseguiremos nos tornar uma nação em que os direitos humanos são efetivos e não meros anseios constitucionais. Nas sábias palavras da minha falecida avó materna: respeite para ser respeitado. Eu acredito na possibilidade de vivermos em paz e com tolerância religiosa. Pratiquemos!
* Advogado e Servidor Público Federal.