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A flor do perdão
Por por Enildes Correa
30/12/2015 - 11:50

Foto: ilustrativa


O estudante perguntou a um sufi: “O que é perdão?”. Ele respondeu: “É a fragrância que as flores dão quando são esmagadas”. Então, o sufi orientou: “Seja como a flor que dá sua fragrância mesmo na mão de quem a esmaga”. 

Minha alma foi tocada pela beleza e profundidade das palavras lidas. Voltei os olhos para a minha própria história de vida. Recordei-me da pergunta feita ao meu pai há muito tempo: 

– Pai, como perdoar alguém que nos feriu de maneira tão grave e, ainda, injustamente? 

Ele olhou bem dentro dos meus olhos e fez referência à seguinte passagem bíblica: “Jesus disse: Perdoar até setenta vezes sete”. Papai pediu-me para fazer o cálculo de setenta vezes sete. Então, continuou: “O ódio é uma arma perigosa e nós não devemos ter essa arma. Deus não odeia ninguém. O sofrimento é passageiro. Tem sofrimento que serve de remédio na vida da pessoa”. 

Fui sacudida por sua firme e clara resposta, que ressoou mais como advertência do que conselho. Em instantes, entendi que não dava para ficar patinando nos ressentimentos causados por outrem. Tinha que aceitar o passado, perdoar, esquecer e seguir em frente sem carregar nas costas o fardo dos rancores. 

Hoje, com mais de 50 anos, penso que perdoar no número de vezes que Jesus aconselhou só se torna mais fácil em relação a quem amamos demais, como os filhos. 

Filhos, criados por Deus a partir de nossa própria carne, revelam aos seus genitores o amor de Deus presente no humano. Sim, os filhos ensinam os pais, fonte terrena de vida, a praticarem o sagrado mandamento do perdão, quantas vezes se fizerem necessárias. Quem melhor que as mães para saber tudo que está contido nas palavras de Jesus: “A quem muito se ama, muito se perdoa; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco se ama”. Os Sufis têm 99 nomes para Deus. Um deles é Al Ghaffar e significa “o que perdoa”. 

Que seria dos relacionamentos, em especial, com as pessoas mais próximas, se não nos fosse dado o potencial de relevar pequenas e grandes ofensas – as que recebemos e as que cometemos? Como poderá acontecer encontro se as pessoas se olharem somente com os olhos do passado? Relevar as ofensas impede as pessoas de se tornarem ilhas isoladas e vivifica vínculos de família, assim como os demais construídos numa sociedade. Quão apropriadas continuam as palavras de Jesus: “Aquele que não tiver pecado, atire a primeira pedra.”? 

Se a consciência não estiver totalmente desperta, será inevitável correr o risco de machucar e ser machucado na convivência com quem quer que seja. 

Algumas canções de Madredeus me remetem ao tema deste texto. Diz a letra:

“Amar, amar, amar (...) 

(...) Nada é maior que amar.” 

A prática constante do ensinamento sufi – aceitação da vida com compreensão – nos conecta com o silêncio interior, bálsamo divino que possibilita curar até lesões emocionais profundas e ressentimentos antigos. Ao sairmos do domínio da mente, tocamos a dimensão da alma. Então, tudo que for contrário ao amor, dissolve-se por si mesmo. 

Não se trata de negar o problema, a ofensa, nem dor ou qualquer emoção que se sinta. Ao contrário, nada pode ser curado em nosso interior sem ser observado e investigado devidamente. Mas, se a ferida é curada, qual o sentido de lembrar com frequência de quem a provocou e dos desconfortos dela decorrentes? A memória factual permanecerá, mas não dará origem a perturbações emocionais no momento presente. 

Quem se aceita com amor, enraíza em si e vincula-se ao presente. No acolhimento da vida com totalidade, o peito se abre e respira livre das amarras de sofrimentos passados. 

A bênção do perdão abre as asas da alma, transpõe muros e nos leva para longe e para o alto. E do silêncio brota a flor da Consciência que, mesmo esmagada, exala sua fragrância. Faz parte de sua natureza entregar perfume à Vida. 



* ENILDES CORRÊA é administradora, terapeuta Ayurveda e Professora de Anubhava Yoga. 

omsaraas@terra.com.br

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