Menores de um ano de idade, de pele clara, sem problemas de saúde e que não tenha irmãos. Este é o perfil de criança que a maioria dos pretendentes que está na fila de adoção procura. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) referentes a 2015, têm no Brasil 5.624 crianças aptas para adoção e 33.633 pretendentes, ou seja, para cada criança existem seis adotantes. Mas, por que grande parte destes meninos e meninas não consegue uma família? Porque o perfil desejado pelos adotantes, difere do perfil das crianças aptas a adoção.
Para discutir esta e outras questões relacionadas à adoção, o oitavo painel do 71º Encontro do Colégio Permanente de Corregedores-Gerais de Justiça do Brasil (ENCOGE), que está acontecendo em Cuiabá, trouxe o tema “Adoção Doméstica e Internacional: experiências e caminhos”. Ministrado pelo juiz Renato Rodovalho Scussel, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e presidente do Colégio de Coordenadores da Infância e Juventude dos Tribunais de Justiça do Brasil, o painel contou com a coordenação do desembargador Gilberto Marques Filho, corregedor-geral de Goiás, e com a participação do juiz-auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça de Mato Grosso Luiz Octávio Saboia.
“O Cadastro Nacional de Adoção do CNJ, que consolida os dados de todas as Varas da Infância e Juventude do país, referentes a crianças e adolescentes em condições de serem adotadas e os pretendentes a adoção, mostra que o número de interessados em adotar é muito superior à quantidade de crianças que podem ser adotadas. Isso acontece porque 90% preferem crianças menores de três anos de idade, com saúde e sem irmãos. Ou seja, procuram um artigo de luxo, não um filho”, destaca o juiz Renato Scussel.
Conforme ele, a maioria das crianças que hoje está na fila de adoção tem mais de oito anos, entrando na faixa etária da chamada adoção tardia. “O número de crianças adotadas tardiamente cresceu no Brasil, mas ainda é ínfimo, o que representa hoje menos de 2% das crianças cadastradas. Essa é a nossa realidade. A situação fica ainda mais complexa quando falamos das especiais, que têm problemas de saúde. Nestes casos, a adoção é mais difícil ainda”.
Para tentar dar um novo rumo a essa história, a Corregedoria-Geral da Justiça de Goiás (CGJ-GO) lançou, em 2015, a Campanha Adoção Especial. O objetivo do projeto é incentivar as famílias para a adoção e vivenciar as mais belas histórias. A adoção é regulamentada pelo Código Civil e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que determina que o procedimento deve priorizar as necessidades, interesses e direitos da criança ou adolescente. A lei reforça aquilo que é o maior desejo de quem está nos abrigos, ser especial na vida de alguém. A campanha foi lançada pelo corregedor Gilberto Marques.
Luiz Octávio Saboia contou um pouco sobre a experiência bem sucedida de Mato Grosso, com relação ao curso obrigatório de preparação para os pretendentes da adoção. “Depois que participam do curso, os pretendentes começam a entender que não vão adotar uma criança sem história. Antes de ir para a adoção ela já tinha uma história, na maioria das vezes triste, e que não pode ser apagada. Eles passam a compreender também que somos um povo miscigenado, que não é formado apenas por crianças de olhos verdes e cabelos loiros. Quando enxergam isso, passam a perceber que aquela boneca que eles procuram muito provavelmente não existe. A partir do momento que entendem isso, muitos pretendentes vão ao sistema e mudam o perfil da criança pois, a partir do curso, passam a ter uma outra visão dos fatos”.
É exatamente neste ponto que entra em ação uma ferramenta importante criada pela CGJ-MT, que é o Cadastro Estadual Informatizado de Pretendentes à Adoção. Essa ferramenta tecnológica permite que os pretendentes a pais adotivos iniciem o processo via internet no Estado, não sendo mais necessário o deslocamento até a Vara da Infância e Juventude, ou façam a alteração do perfil desejado. O sistema pode ser acessado de computadores e smartphones.
“As informações dos pretendentes à adoção são inseridas diretamente no sistema, assim como os documentos necessários para iniciar o processo. As vantagens são a possibilidade de alterar o perfil desejado a qualquer momento, o acompanhamento da posição na fila de adoção e a facilidade da atualização de dados cadastrais como telefone e endereço. Isso tudo garante mais transparência e segurança ao processo”, garante o juiz Luiz Octávio Saboia.
Inicialmente o cadastro está operando apenas em Cuiabá e Campo Verde (a 131 km da capital), como projeto piloto. A meta é estender todas as comarcas do Estado. “A ideia é que o sistema sincronize as informações de todas as cidades e, no futuro, faça interface também com o cadastro do Conselho Nacional de Justiça”, pontua o magistrado, completando que a ferramenta está à disposição de todos.
A integrante da Associação Mato-grossense de Pesquisa e Apoio à Adoção (Ampara), Lindacir Rocha Bernardon, que a convite da corregedora Maria Erotides Kneip compôs a mesa de debate, aproveitou a oportunidade para fazer algumas sugestões aos membros do colegiado. “Nós temos aqui, em Cuiabá, o curso voltado para os pretendentes a adoção, o chamado pré-natal, com resultados altamente positivos. Minha sugestão é que passe a ser feito também, de maneira obrigatória, um curso para o pós-adoção, principalmente para as chamadas adoções especiais. Isso ajuda a fortalecer os laços e evita a devolução de crianças e adolescentes. Outra sugestão que eu faço é que abram as portas dos abrigos onde estão as crianças aptas a adoção para que os pretendentes possam conhecer. O olho no olho muda tudo”, destacou Lindacir, que é mãe de três filhos do coração.