Cáceres (225 km a oeste de Cuiabá) é considerado um dos municípios mais importantes para o desenvolvimento da economia de Mato Grosso, desde o período colonial. A importância se dá pela localização estratégica da cidade, a beira do Rio Paraguai, o que facilita o comércio com os países da Bacia do Prata e até mesmo com países europeus.
Fundada em 1778 pelo capitão general Luís de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres, foi elevada a condição de cidade em 1859. Seu primeiro nome, Vila-Maria do Paragua, foi uma homenagem a então rainha do Brasil, Maria I. O nome Cáceres só foi considerado como oficial em 1938, explica a historiadora Cristiane Thais do Amaral Cerzósimo Gomes, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
A professora conta que no fim do século 19 e primeiras décadas do século 20, a cidade passou a exercer uma grande importância na economia por conta da ligação fluvial com as cidades de Cuiabá (capital de Mato Grosso) e Corumbá, localizada mais ao Sul do Pantanal. Cáceres era um dos principais portos de exportação e importação na Bacia do Prata.
Além dos países vizinhos ao Brasil, Cristiane afirma que Cáceres também estabeleceu um comércio direto com países da Europa e recebeu diversos imigrantes que vieram tentar a vida. Uma das curiosidades que a historiadora conta é que muitos homens vieram ainda solteiros e se casaram com mulheres mato-grossenses.
Arquitetura moderna
Um desses estrangeiros foi o comerciante italiano José Dulce. Ele se casou com uma cacerense e abriu na cidade um comércio com o nome Ao Anjo da Ventura, dedicado a importação e exportação. Ele trouxe da Itália o seu sócio, Leopoldo Ambrósio, que também se casou com uma cacerense.
Ao Anjo da Ventura introduziu em Cáceres uma modernidade arquitetônica. A professora conta que a dimensão da loja, muito grande para a época, se assemelhava em muito com as casas comerciais da Europa. Cristiane destaca que a casa e outros comércios da Cáceres também conservam a ligação com os países do Prata e até patins de patinação no gelo era encontrado no comércio da cidade.
“Pessoas que vinham da Europa diziam que na loja nada se diferenciava do que encontravam lá, os produtos que Ao Anjo da Ventura vendia eram da mesma qualidade daquelas que eram encontradas na Europa”, explica a professora.
A ligação com a Europa também se fortaleceu por um outro fator que exerce influência na economia local até os dias de hoje: a pecuária. O gado criado na cidade tinha boa parte do seu couro vendido para os países europeus, saindo do país pela Bacia do Prata.
Cristiane explica que por mais de 50 anos a população de Cáceres, Cuiabá e Corumbá viveram momentos de intenso comércio internacional.
“Neste período os espaços urbanos dessas cidades se desenvolveram, porque foi um momento de chegada de europeus. Vieram alemães, espanhóis, franceses, suíços e italianos que chegaram nas cidades portuárias de Mato Grosso e trouxeram o estilo de construção neoclássico do século 19 e século 20. A cidade de Cáceres é importante para o patrimônio histórico e cultural do estado de Mato Grosso, porque ali nós temos espaços com arquitetura do século 19 no estilo neoclássico de construção”, explicou.
Ainda sobre as construções existentes na cidade, a professora destaca que quem for a cidade precisa conhecer a Catedral de São Luiz de Cáceres. A obra carrega estilo gótico e teve a construção iniciada em 1919 e só terminou em 1965. “Ela se tornou o cartão postal da cidade de Cáceres. Foi projetada por um francês (Leon Mousnier), em um estilo gótico. Ele também fez a planta da igreja do Bom Despacho”, contextualizou.
Outra curiosidade comentada por Cristiane é quanto ao Hospital São Luiz, que foi construído no início do século 20 com o estilo neoclássico e por isso carrega semelhanças com a Santa Casa da Misericórdia, em Cuiabá.
Também sobre o desenvolvimento arquitetônico da cidade, a professora conta que ele se deu ao mesmo tempo nas cidades de Cuiabá e Corumbá. “Um processo que veio com a navegação e pela chegada desses migrantes europeus que instalaram nessas cidades e trouxeram essas novas técnicas de construções”, comentou.
Posição estratégica
A historiadora afirma que Cáceres sempre foi reconhecida por sua localização geográfica, uma vez que fica na fronteira de terras do domínio espanhol. “Naquela região foi construído o Forte do Rio da Beira, por ser uma região de fronteira e muito próxima aos domínios espanhóis”, explicou.
Um momento difícil da história de Cáceres foi a Guerra do Paraguai, iniciada no fim de 1864, quando os paraguaios invadiram a cidade de Corumbá, fechando o porto e impedido a navegação pelo Rio Paraguai. A medida teve grande impacto, uma vez que para conseguir mantimentos e outros produtos era necessário trazê-los do Rio de Janeiro (então capital) por via terrestre, uma viagem que demorava seis meses para ir e outros seis meses para voltar. Para se ter uma ideia, usando a Bacia do Prata o tempo cairia para entre 30 a 40 dias.
Com o fim da Guerra do Paraguai, a professora conta que Cáceres passou por um outro momento delicado, que foi a peste de varíola que dizimou boa parte da população de Cuiabá. Para evitar o avanço da doença, a administração municipal de Cáceres impediu a entrada e saída da cidade, impedindo o avanço da doença.
Ela conta que a peste invadiu Mato Grosso porque os homens do exército paraguaio, já no fim da guerra, jogaram nos rios os corpos dos militares que morreram por contaminação por varíola. Sendo essa, a primeira guerra com uso de arma biológica que se tem registro na história mundial, ressaltou a professora.
O segundo ciclo do desenvolvimento econômico de Cáceres foi interrompido após a construção da ferrovia ligando Corumbá a Santos, na primeira metade do século 20. A ferrovia ligou Mato Grosso ao centro comercial do Brasil e acabou sufocando o comércio com os países da Bacia do Prata e com a Europa.
Nova economia
Para que a cidade volte a viver o seu apogeu econômico, o Governo do Estado trabalha pela efetiva implantação da Zona de Processamento de Exportação (ZPE). O novo parque industrial da cidade deve receber inúmeras indústrias que produzirão produtos voltados ao mercado externo e à exportação, fazendo com que Cáceres retorne ao seu período de intenso comércio com os países vizinhos.
Além disso, a ZPE vai gerar inúmeros empregos, primeiro na construção civil e, em seguida, nas fábricas que ali serão instaladas e que precisam de um grande volume de mão de obra, gerando emprego e renda para o município.