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Chegamos ao fundo do poço, diz educador
Por Alecy Alves
02/07/2016 - 08:30

Foto: DC

Em Cuiabá para ministrar uma palestra para professores da rede privada, o doutor em Ciências da Educação, Júlio Furtado, concedeu entrevista exclusiva ao DIÁRIO para falar sobre desvalorização profissional e motivação do professor, além da reorganização do saber e encorajamento do aluno, entre outras questões. 

Considerado um dos maiores estudiosos da relação aluno-professor e dos meios de ensino e aprendizagem, Furtado é graduado em Pedagogia e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Ele, que também é psicopedagogo formado pela Universidade de Havana, Cuba, abordou ainda as dificuldades de ensinar crianças e adolescentes da “Geração Z”, esses que praticamente não se comunicam verbalmente, dormem e acordam presos ao celular. 

Furtado ainda discorreu sobre o papel da família na educação dos filhos, que, segundo ele, não vem sendo desempenhado como deveria – e que a educação brasileira chegou ao “fundo do poço”. 

Diário - Como o aluno pode reorganizar o seu saber? 

Furtado - Sendo submetido a desafios, a situações que quebrem seus esquemas mentais e o forcem a pensar de outra maneira. A reorganização do saber do aluno é resultado do quanto a escola o instiga a buscar novas respostas. 

Diário - De que forma o professor o encoraja? 

Furtado - Em geral, o professor encoraja tendo uma postura apreciativa, ou seja, valorizando o que o aluno fez de certo, focando o sucesso, por menor que seja. Essa postura dá ao aluno vontade de fazer mais, de buscar a resposta certa, de refazer o que está errado. É fundamental, nessa postura, o cuidado do professor para se referir apenas à tarefa e não desqualificar o aluno como um todo. Dizer, por exemplo, "você precisa tentar de novo, mas eu sei que você vai conseguir porque você é inteligente". 

Diário - O que é colocar aluno e professor em movimento? 

Furtado - O professor coloca o aluno em movimento quando ele o instiga a buscar soluções, resolver desafios e pesquisar respostas e se coloca em movimento quando, observando que o aluno não está tendo sucesso, busca constantemente novos caminhos para facilitar-lhe a aprendizagem. 

Diário - Como o professor pode fazer essa investigação, ou observação contínua da aprendizagem em uma sala com 30 ou 40 alunos? 

Furtado - O ideal é que seja, no máximo, 30 alunos por turma, em se tratando de adolescentes, e 25 se crianças de 7 a 10 anos. Tenho visto com frequência esse número ser respeitado, mas, em alguns casos, quando o professor tem que lidar com turmas de 40 alunos ou mais, ele precisa trabalhar com tarefas grupais que o permitam identificar se os objetivos estão sendo atingidos. É mais difícil, mas não é impossível. Acho que a atitude do professor é o que conta. Acompanho muitas escolas em que os professores não fazem avaliação contínua mesmo em turmas com 20 alunos e outros fazem trabalhos excelentes em turmas de 40. 

Diário - Aqui em Cuiabá, professores aprovados em um concurso recente da rede publica municipal de ensino relatam situações de surpresa e medo com o comportamento de crianças de séries iniciais, alunos com idade entre 6 e 7 anos, sem limites, que desafiam e desrespeitam os professores. Como ser professor em uma sociedade dessa? 

Furtado - São muitas as considerações com relação a essa pergunta. Façamos ao menos três, que julgo fundamentais: 

1ª - Escola e família precisam estar em sintonia para estabelecerem juntas os limites que a família não conseguiu estabelecer até então. A gestão da interação escola-família é, hoje, uma dimensão da escola que exige atenção prioritária. 

2ª - É preciso que tenhamos professores bem assessorados para desenvolverem seu trabalho com essa faixa etária que ainda exige o lúdico como principal estratégia. Essa faixa etária ainda precisa aprender através de jogos e movimento. Ficar sentado, prestando atenção comportadamente ainda é atitude que exige mais concentração do que eles podem dar. 

3ª - Ao promovermos assembleias de classe nessa faixa etária, os resultados costumam ser muito bons, pois os alunos aprendem a se comprometer com o grupo e, com isso, desenvolvem o sentido de compromisso coletivo. 

Diário - Se a autoestima é o combustível do professor no processo ensinar e apreender, como manter-se motivado para o exercício da profissão se o desrespeito e o medo muitas vezes o dominam? 

Furtado - É fato que o desrespeito à profissão em todos os sentidos contribuem para a diminuição da autoestima do professor e para a desmotivação com a profissão. Antes de mais nada, o professor é gente e é afetado por todo esse processo em que estamos inseridos. Penso que a capacidade de se auto motivar do professor não é infinita. Tenho visto muitos professores altamente comprometidos com a sua profissão desistirem, o que é muito triste para a Educação como um todo. Acho que chegamos ao fundo do poço e a mola propulsora será o quanto que educar nos faz feliz, mesmo com os entraves. Lembro-me nesse momento de uma entrevista da grande Fernanda Montenegro que, ao ser perguntada o que ela diria a alguém que quisesse seguir a carreira de atriz, surpreendeu a repórter dizendo: "Eu diria desista!". Após o choque da resposta, explicou, "Se a pessoa não insistisse e, de fato, desistisse, é porque não tinha a energia necessária. Mas, se insistisse na ideia e dizendo que não saberia viver sem o ato de educar, eu diria: vá em frente!". 

Diário - Além de todas as questões citadas acima, os professores ainda enfrentam a desvalorização profissional, ou seja, salários baixos. Como superar ou se manter estimulado a prosseguir da missão de bem ensinar? 

Furtado - Penso que a luta pela dignidade profissional é contínua e de todos os professores. Inclusive dos poucos que são bem remunerados. Trabalhar em várias escolas para montar um salário razoável impede que o professor se dedique ao auto aprimoramento e, consequentemente, traz desgastes a sua atuação profissional. Acredito, porém, que fazer um bom trabalho em sala de aula deve ser compromisso pessoal com sua própria consciência e lutar por melhorias de condições precisa ser compromisso coletivo com sua categoria. Trabalhar equivalente ao que ganha só vai desqualificar cada vez mais o professor. 

Diário - Se é difícil lidar com a geração Y, que é filha que tem características e vícios do aparato eletro-eletrônico e herdeira desse e de outros aparatos, como educar a Geração Z, que praticamente não se comunica verbalmente, dorme e acorda preso ao celular? 

Furtado - A geração Z me preocupa em especial porque ela deseducou os mais velhos. Crianças estão carecendo de atenção porque seus pais só conseguem olhar para seus celulares. Acho que esse comportamento já é uma epidemia social. Estamos todos nós precisando de quem nos reeduque primeiro. 

Diário - Onde entra o papel da família? Para o senhor a família está transferindo a educação dos filhos às escolas e, consequentemente, aos professores? 

Furtado - A família precisa educar para os valores morais de forma que a criança chegue à escola em condições de ser educada para os valores sociais, coletivos. Já sabemos que a família não vem cumprindo bem o seu papel. Esse discurso já é antigo e batido. Com relação a essa questão eu gostaria de deixar algumas reflexões: 

1ª - Se a escola cruzar os braços diante da inabilidade da família em cumprir o seu papel, podemos fechar todas as escolas e pensar num novo modelo de educação socializadora. Penso que a escola precisa se reinventar nesse sentido. Oferecer espaços de discussão e formação da família é um dos caminhos que tenho visto dar bons resultados. 

2ª Apontar dedo uma para outra só vai reforçar o conflito. Nesse tocante afirmo que "Somos todos Família!". Professores também são pais e mães que estão em conflito na educação de seus filhos. Filhos de professores também apresentam problemas na escola (E como apresentam!). Lembro isso para que nos sensibilizemos que só a soma de forças nos levará a algum bom resultado. 

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