Filho biológico de um pai assassinado e de uma mãe que, além de agressiva, era dependente química, Paulinho* conheceu desde muito cedo as mazelas de viver em uma família desestruturada. Pertencente a um grupo de 14 irmãos, observou o lar ruir pouco a pouco. Retirados de casa como forma de proteção, parte deles foram reintegrados à família extensa. Paulinho e quatro irmãs mais novas foram encaminhados para uma instituição de acolhimento em Cáceres (a 225km de Cuiabá), no ano de 2013. O garoto viu, ano após ano, todas elas serem adotadas e as suas chances de ter o mesmo destino diminuírem cada vez mais.
Contudo, graças ao envolvimento de integrantes de um grupo de WhatsApp chamado ‘Cegonhas da Adoção’, o menino pôde realizar o sonho de ter uma família e uma vida feliz. Paulinho foi adotado em 27 de abril de 2017, com 11 anos de idade, por um casal homoafetivo de professores universitários de Curitiba (PR). A adoção tardia foi resultado do esforço conjunto entre as comarcas dos dois estados, especialmente do trabalho intenso da juíza Alethea Assunção Santos, da 1ª Vara Cível de Cáceres, e da equipe multidisciplinar formada pela psicóloga Débora Matte e pela assistente social Kelly Novack.
Em carta, os pais descreveram a jornada iniciada em abril de 2016, quando decidiram realizar o sonho de serem pais. No princípio, o perfil desejado era de um menino de 3 a 6 anos, podendo ter um irmão ou irmã de até 10 anos de idade. Na mente do casal, permeavam preocupações como, por exemplo, o fato do garoto ter dois pais, o preconceito e os desafios que ele enfrentaria. Felizmente, tudo foi superado com a ajuda de diversos grupos de apoio - presenciais e via redes sociais. E foi exatamente pela internet que os dois conheceram as iniciativas “Busca Ativa” e “Cegonhas”.
Eles chegaram até a juíza Mônica Labuto, da 3ª Vara da Infância e da Juventude da comarca do Rio de Janeiro e participante do grupo de WhatsApp “Cegonhas”, criado por voluntários e profissionais do Judiciário com o intuito de facilitar o encontro de adotantes e crianças de difícil colocação em famílias substitutas. A partir daí, o sonho começava a se tornar possível. “Passados alguns dias, doutora Mônica nos enviou mensagem falando que uma juíza em Mato Grosso - doutora Alethea Assunção Santos - tinha um menino aguardando adoção. Era um menino adorável, meigo e estudioso, um bom garoto. Disse-nos apenas que os outros irmãos dele tinham sido adotados, mas ele continuava acolhido”, relataram.
Segundo a equipe responsável pela aproximação de vínculo, diante do interesse do casal paranaense, a situação foi explicada ao Paulinho, que se mostrou bastante receptivo. Os primeiros contatos entre o garoto e os pais foram feitos por videochamadas ao longo de 17 dias, até que puderam se conhecer pessoalmente em 24 de abril. “Foi um desafio muito grande para a equipe, pois nunca havíamos feito na comarca uma adoção interestadual. Tínhamos muitas dúvidas de como agir, mas graças ao nosso instinto e profissionalismo conseguimos com êxito dar um lar à criança”, afirmou Débora Matte.
Segundo a psicóloga, a adoção tardia tem se mostrado uma barreira à esperança de milhares de crianças de encontrar uma família. “Finais felizes” como o do Paulinho são cada vez mais raros. Hoje, o menino está perfeitamente adaptado ao novo lar e à nova família. A felicidade faz parte dos dias do garoto, que retomou os estudos e agora tem a perspectiva de um futuro promissor. Para os pais, embora estejam contentes pela realização de um sonho, o que os motivou a tomar essa importante decisão não foi a nobreza do gesto e sim o amor. “Não foi uma conquista. Não é caridade! É o amor transbordando em sua forma mais plena”, comemoraram.
*Nome fictício para preservar a identidade do menor.