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"Inventora" do escaldado do Choppão revela a origem da receita
Por Thaiza Assunção
20/08/2018 - 14:57

Foto: Alair Ribeiro/MidiaNews

É só cair a temperatura em Cuiabá que muitas pessoas já correm para comer o escaldado do Restaurante Choppão, na Praça Oito de Abril.

 

O que muitos não sabem é que a famosa receita saiu de outro restaurante da Capital, o já extinto Barra Limpa - que ficava na região do antigo Ribeirão da Ponte, atualmente Bairro Santa Rosa -, muito frequentado pela boemia cuiabana nas décadas de 70 e 80.

 

Pelo menos é o que garante a ex-proprietária, Madalena Mendes Luz, a "Mada", de 81 anos.

 

Nesta semana, ela recebeu o MidiaNews para contar um pouco da origem do famoso escaldado - e como sua receita foi parar em outro estabelecimento. Segundo Madalena, pode ter sido um ex-funcionário quem a levou para o Choppão.

 

“Para mim deve ter sido algum garçom. Não sei como está agora, mas antigamente os garçons sabiam como era feita cada comida. Eles perguntavam tudo”, disse.

 

Para mim que deve ter sido algum garçom, porque geralmente os garçons, não sei agora como é que está, mas antigamente, os garçons sabiam como era feito cada comida, eles perguntavam tudo

“Mas eu não guardo mágoa. Se o Choppão viu que o meu restaurante tinha um bom movimento, porque não tentar fazer o escaldado lá? Foi o que eles fizeram. Eu sempre soube ganhar e sempre soube perder”, afirma, sem ressentimento.

 

Natural de Olímpia, no interior de São Paulo, Mada mudou-se para Mato Grosso ainda criança com os pais, que haviam comprado um sítio em Barra de Bugres ( a 164 km de Cuiabá).

 

Ainda na juventude, veio para a Capital, onde, já casada, começou a trabalhar como costureira para criar os seis filhos. Com o dinheiro curto, ela então abriu o Barra Limpa, em 1972.

 

“Eu morava na Rua Corumbá e criava os filhos com muita dificuldade. Até que consegui uma casa e me mudei para cá [Ribeirão da Ponte]. Mas precisava trabalhar porque a costura não estava dando para manter a família. Andando pelo bairro, vi um barracão desocupado e resolvi alugar para montar um barzinho”, disse.

 

“Eu servia o escaldado, arroz com galinha, lanches, tudo... Naquele tempo tinha a Boate da Carminha [casa de prostituição]. Então no final da noite lotava lá”, relembra.

 

"Mada" conta que no início tudo era muito difícil. “Eu não tinha dinheiro para comprar sequer mesas e cadeiras. Depois de um tempo, meu cunhado veio, arrumou umas tábuas e fez umas mesas e alguns banquinhos”, diz.

 

Com o tempo, o escaldado da "Mada" começou a fazer sucesso e a freguesia, a crescer. Com a lotação, ela - que antes trabalhava sozinha - precisou contratar garçons e cozinheira. Além disso, também ampliou o espaço com outro salão no andar de cima.

 

Elite

 

A casa era frequentada por políticos, empresários, jornalistas, advogados, artistas e cantores.

 

“Tinha muita gente importante. A minha clientela era Silva Freire, Renato Pimenta, Ramis Bucair, Dirceu Carlino. Vinham muitos famosos também. Altemar Dutra, Nelson Ned, Luiz Carlos Magno, Maria Neuza, Jair Rodrigues... Todos para comer escaldado da Mada”, recorda.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Dona Madalena

Recorte de jornal com depoimentos dos fregueses do Barra Limpa

Ela guarda com carinho recortes antigos de jornais, que  trazem depoimentos dos seus clientes.

 

Entre eles, o radialista Dirceu Carlino e o já falecido engenheiro agrimensor Ramis Bucair.

 

"Quando de minha chegada a Cuiabá, a cidade era realmente notívaga. Este foi, inclusive, o principal motivo para a criação do "Cuiabá Zero Hora". Então, era muito comum sair-se de transmissões, principalmente de futebol que naquele tempo era muito mais animado, e ir para lá. Após as transmissões de futebol, havia colegas de emissoras de fora, Campo Grande, São Paulo, Rio de Janeiro, e era quase que uma obrigatoriedade levar essas pessoas para aquele ambiente. Não havia quem comesse e não gostasse daquela comida na madrugada. Era o famoso escaldado da Madá, uma comida capaz de 'levantar até defunto'", disse Dirceu Carlino.

 

"O Barra Limpa, antes de mais nada, era um bom restaurante, o qual diversas camadas sociais frequentavam. Era um restaurante da noite, um restaurante propriamente dito para o fim da madrugada, para o amanhecer. Madalena, uma mulher de muita fibra, muito trabalho, uma mulher firme em suas decisões, educada com seu pai e seu marido, conseguiu fazer do estabelecimento uma atração para a madrugada. Vários fatos pitorescos aconteceram nas madrugadas do Barra Limpa. O escaldado ali implantado, que era delicioso, era talvez a grande desculpa para a aglomeração de pessoas. Um fato deliciosamente lembrado era o de as famílias da elite, em sua mesas, também com a desculpa do escaldado, ficarem de olhar discreto para verificar quem entrava e quem saía da Casa da Carminha, situada bem em frente”, contou Ramis Bucair.

 

O famoso escaldo

 

Mada explicou como era preparado o seu tão famoso escaldado.

 

“Primeiro eu cozinhava a galinha caipira. Depois desfiava e, com o cozimento, acrescentava a galinha desfiada, tomate, cebola, cebolinha, cheiro verde, salsa, azeite, manteiga, sal. Quando já estava fervendo, colocava a farinha de mandioca devargazinho e ia mexendo até chegar no ponto”, afirma.

 

“Muita gente gostava do ovo cozido mais duro, outros mais mole. Então eu colocava o ovo depois, por cima. Se era só uma pessoa, acompanhavam dois ovos. Se eram duas pessoas, quatro ovos. E assim por diante”.

 

Para acompanhar o escaldado que era vendido por porções de um a cinco, "Mada" servia pão na manteiga.

 

“Eu tinha uma churrasqueirinha, onde colocava o pão no espeto e esquentava, porque muitos queriam ele quentinho. Do jeito que pedia a gente fazia. Era uma época muito boa".

 

Conforme "Mada", apesar de outros reivindicarem a autoria do escaldado com frango - uma vez que o original era com carne moída -, ela foi a primeira a fazê-lo com galinha desfiada.

 

Alair Ribeiro/MidiaNews

Dona Madalena

Madalena disse que nunca experimentou o escaldado do Choppão, mas sabe que é preparado da mesma forma que o dela

A receita é praticamente a mesma vendida pelo Choppão atualmente. O cardápio servido para seis pessoas no local leva: um frango inteiro, 15 ovos, farinha de mandioca cuiabana crua, massa de tomate, tomate, cebola, pimentão, cebolinha e sal.

 

"Eu nunca comi o escaldado do Choppão. Ouvi dizer que é gostoso. O eu sei é que eles com certeza fazem da mesma maneira que a minha. Eu criei, inventei... Mas você sabe, a gente não pode desvalorizar só porque eu fiz e teve bastante influência. Eu não posso desfazer do escaldado deles”, diz.

 

"Mada" conta que hoje só faz o escaldado em casa para os filhos e netos.

 

O fechamento do Barra Limpa

 

"Mada" lembra que fechou o restaurante em 1986 por causa da queda no movimento e por problemas de saúde.

 

“Com as perdas de noite, adquiri um problema cardíaco. Hoje sou uma cardiopata, não posso fazer excesso. Mas foi muito bom enquanto durou. Muita gente na época pedia para reabrir, mas a minha saúde não permitia e não dava de botar outra pessoa para tocar o local porque os clientes nunca aceitavam”, diz.

 

Atualmente "Mada" é dona de algumas quitinetes na região do Santa Rosa. Ela vendeu o terreno do restaurante para uma imobiliária.

 

O atual dono do Choppão, Fernando Quaresma, reconhece que a receita original do escaldado saiu do restaurante Barra Limpa.

 

Ele frisa, porém, que ao contrário do alega a Mada, não foi um ex-funcionário quem levou a receita para o restaurante. Segundo ele, teria sido a própria Madalena quem ensinou o antigo dono do restaurante.

 

Conforme Quaresma, em 1974, o fundador do Choppão, Geraldo Barbosa, também era cliente do Barra Lima, onde costumava comer escaldado. Querendo incluir o prato em seu restaurante, meio sem jeito, ele teria perguntado a ela qual o segredo daquele prato. Imediatamente, ela o teria levado para a cozinha e o ensinado.

 

Quaresma ainda afirma que, com o passar do tempo, o Choppão criou seu próprio escaldado, ao incluir a farinha de mandioca de Cuiabá.

  

 

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