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Candomblé, sinal de esperança
Por por Vinícius Bruno
20/08/2019 - 13:24

Foto: arquivo

A comunidade candomblecista de Mato Grosso vive um momento ímpar e histórico. No próximo dia 14 de setembro será inaugurado o “Ile Ase Egbe Osogbo Omo Orisa Osun”, nome em Yorubá para “Casa Espiritual da Sociedade de Osogbo Filhos da Orixá Oxum”. Trata-se do que comumente se chama de “terreiro”, "roça" ou “barracão”, um templo religioso onde se cultua os Orixás e os ancestrais.

A inauguração de uma Casa de Candomblé neste período turbulento é um sinal de esperança. Nós, praticantes de religiões de matriz africana estamos assustados, pois, no Rio de Janeiro, em São Paulo e até na Bahia, foram registrados vários ataques nos últimos meses a casas que foram destruídas, sacerdotes, sacerdotisas e comunidades ameaçados de morte e muitos fieis expulsos de suas comunidades ou impedidos de praticarem sua fé.

A maioria dessas casas que foram violadas teve como algozes membros de facções criminosas que equivocadamente se autodenominam “evangélicos”, isso porque se converteram a igrejas neopentencostais e atribuem a violência como uma forma de combater o que consideram como o mal. E quem está na mira desses criminosos são os terreiros de Candomblé e Umbanda. Tudo isso em razão de décadas de uma pregação de ódio e descontextualização do texto bíblico e de uma interpretação altamente errada sobre as religiões de matriz africana.

O Candomblé é historicamente vítima do preconceito e da violência. A religião teve que se disfarçar de sincretismo para sobreviver o período do Império, quando o catolicismo era a religião oficial. Depois em momentos obscuros da história recente, o Candomblé foi perseguido. Alguns atos foram estritamente proibidos, como tirar foto dentro do terreiro, porque se corria o risco daquela foto ser considerada uma prova de que aquela comunidade estava reunida sem a permissão do Estado.

São várias as perseguições que o Candomblé sofre no contemporâneo. A ideia deturpada em relação aos Deuses africanos faz com que muitas interpretações equivocadas sejam repetidas em diversos púlpitos de igrejas por aí. Uma dessa ideias é a de que Exu, o grande Orixá da comunicação, da disciplina e da harmonia, seja o “demônio”, figura mítica criada pelos cristãos e que sequer faz parte do contexto da religião de matriz africana.

Diante deste cenário altamente hostil, uma comunidade de fieis em Várzea Grande (MT) dá um passo importante no combate a esta corrente de forças que aparentemente ganham notoriedade no contemporâneo. O Ilê Axé que será inaugurado é presidido pela mulher mais velha de Candomblé, nação Ketu, em Mato Grosso, Edna Moraes, ou Mãe Edna de Oxum, como é conhecida.

Mesmo sendo a “mais velha” tem tão somente 20 anos de iniciação e 14 anos de obrigação, que é uma espécie de renovação da consagração feita ao Orixá, que inclusive será cumprida no início de setembro. Isso demonstra que o Candomblé é recente em Mato Grosso, e agora que alcança sua terceira geração no Estado.

Queremos cultuar nossos Deuses e Deusas em paz e para isso nós não estamos pedindo favor a ninguém. O Estado Brasileiro é democrático e todos têm liberdade de culto

Edna de Oxum é filha espiritual do Babalawo Georg, que preside o Ilê Axé mais antigo e o pioneiro de Mato Grosso, o Ile Ase Egbe Ketu Omo Orisa Odé, que foi inaugurado em 23 de fevereiro de 1982. Odé é o Orixá conhecido como Oxossi, no Brasil, o senhor das matas, dono da caça, da flora, da fauna, da fartura e da estratégia. Por sua vez, Mãe e Iyalorixá Edna abrirá uma casa que será dedicada a Oxum, a orixá da beleza, do amor, dos sentimentos, do ouro, da fertilidade, dona do rio das águas doce, da feminilidade e criadora do culto aos Orixás.

Esta será a primeira Roça de Candomblé de nação Ketu no Estado, onde a Sacerdotisa, ou seja, a Iyalorixá será uma mulher, guerreira, mãe, avó, tataravô, e com grande experiência de vivência dentro do sagrado.

Eu faço parte da terceira geração, se assim podemos dizer, dentro desta linhagem do Candomblé em Mato Grosso. Como uma árvore temos uma raiz, estamos fortalecendo um caule/tronco, e podemos afirmar sem medo que já estamos dando frutos. O maior fruto que o Candomblé oferece é uma vida pessoal autêntica, vivida sobre o aspecto da alegria, da dedicação, do amor, do bem, da verdade e da paz.

Por isso, que a inauguração do Ilê Axé dedicado a Oxum, em Várzea Grande, é o grande sinal de esperança e de fé.

Queremos cultuar nossos Deuses e Deusas em paz e para isso nós não estamos pedindo favor a ninguém. O Estado Brasileiro é democrático e todos têm liberdade de culto. Ao nos reunirmos para celebrar nossos Orixás com nossos tambores, nossos cânticos, nossas cores, nós não estamos pedindo licença, estamos exercendo nosso direito e acima de tudo nosso dever de sermos autênticos e felizes com a nossa fé. Axé!

Vinícius Bruno é jornalista em Cuiabá e candomblecista. E-mail: vinicius@rdnews.com.br

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