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A catástrofe do Shopping dos Camelôs
Por por Jandira Maria Pedrollo
19/07/2024 - 19:11

Foto: reprodução

 

No início dos anos 90, no centro de Cuiabá, calçadas, ruas e praças eram
tomadas pelo comércio informal causando insegurança aos pedestres e
insatisfação aos comerciantes formais pela concorrência, considerada desleal.
Para solucionar, a prefeitura promoveu reuniões com as associações dos
camelôs, dos comerciantes e dos empresários, vereadores e secretarias
municipais afins e o órgão de planejamento municipal, IPDU, designado para
elaborar um plano para o comércio informal, do qual participei como técnica.
Com o nome de “Plano Setorial de Comércio Alternativo”, foi elaborado após
pesquisa e cadastramento dos camelôs pela Secretaria de Bem Estar Social,
que fez a seleção dos contemplados.
Para os que já atuavam em barracas, foi proposta a realocação para área
pública, ao lado do Parque de Exposições e a construção de edificação com
piso, cobertura, sanitários, administração e pequeno estacionamento. As
associações dos comerciantes e dos empresários formais colaboraram com a
construção da estrutura e a Prefeitura em alguns serviços. Os contemplados
não pagaram pela estrutura, porém deveria haver controle dos pontos para que
não ocorresse a venda. O comerciante que não “coubesse” mais na sua
banca entregaria o ponto a ser repassado a outro necessitado, sob controle
municipal. O controle nunca aconteceu.
A princípio os camelôs rejeitaram o local, mesmo assim foram transferidos com
a promessa de a Prefeitura manter ônibus gratuito até que a população se
acostumasse com o novo ponto. Em pouco tempo o estacionamento para
clientes ficou pequeno, não recebiam apenas os usuários do transporte
coletivo, como imaginavam. Para esses a situação estava resolvida.
Também pensamos na possibilidade de novos pequenos comerciantes se
instalarem nos mesmos moldes, a custos próprios, em locais já edificados,
porém a legislação vigente era omissa. Então foi elaborado o Decreto n. 3.118
de agosto de 1995 que “Regulamenta a construção e instalação de galerias
populares”, com parâmetros próprios, visava em especial a segurança pública,
das instalações e dos comerciantes.

Pelo decreto, galerias populares eram “o conjunto de, no máximo 100 (cem),
unidades autônomas, instaladas em terrenos ou edificações destinadas ao
comércio varejista de mercadorias de pequeno porte ou à prestação de
serviços.” Locais com mais lojas estariam classificados em outra categoria,
talvez shopping center, porém, para esses a legislação é muito mais exigente
quanto à segurança e aos impactos provocados pelo empreendimento à
vizinhança. Para a transformação do chamado Camelódromo em Shopping
Popular parece que as normas foram esquecidas.
Quando foram assentados, o espaço era aberto, os equipamentos e materiais
comercializados eram de outro tipo. Depois veio o fechamento das laterais, as
divisórias, o forro, as fiações elétricas, o segundo piso, a praça de alimentação
e parece que nesse afã de ampliar foram esquecidas as normas construtivas,
inclusive no que tange à prevenção de incêndio, tanto pelo poder público
quanto pela administração do shopping popular. Pelas imagens vê-se que a
estrutura derreteu.
Felizmente não havia público e nem lojistas. Poderia ter ocorrido uma tragédia
maior se estivesse em horário de funcionamento. Lembrei-me do incêndio da
Boate Kiss, no RS, em 2013 onde houveram centenas de mortes. Espero que o
desastre tenha servido para o aprendizado e que na reconstrução esses
ensinamentos sejam utilizados. Não quero nem imaginar se o incêndio tivesse
acontecido após a ampliação dos oito pavimentos previstos, sete destinados a
vagas de estacionamento e ainda salas de cinema.

 

Jandira Maria Pedrollo, arquiteta e urbanista, foi Diretora de Pesquisa e
Informação do Instituto de Pesquisas e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá,
Assessora técnica do CAU/MT e Diretora de Planejamento da Região
Metropolitana do Vale do Rio Cuiabá. jandirarq@gmail.com.

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