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Da dor de ser e 'É'
Por Rodivaldo Ribeiro/DC Ilustrado
29/07/2014 - 15:42

Foto: Olhar Direto
Matheus Jacob Barreto lança 2ª edição de livro. Por que? ‘Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor. / Nele não cabem nem as minhas dores’
 

Lembra daquele menino prodígio cujos poemas enchiam a cuiabania de orgulho mesmo ignorando as bobagens de temas afeitos a caju, manga, peixe e minhocão para ocupar-se de coisas realmente universais como vida urbana e desassossego perene? Pois bem, ele — Matheus Jacob Barreto — voltou à carga, esgotou a primeira edição de seu bom “É” e vem à sua capital natal hoje especialmente para lançar na Academia Mato-grossense de Letras essa nova edição. 

Como somos fãs de arriscar sempre e eu estou sentindo dificuldades para escrever sobre ele além do que já escrevi meses atrás neste mesmo espaço, resolvi pedir ao próprio um texto sobre si guiado por perguntas minhas. 

Óbvio que Matheus domina o vernáculo como poucos — e isso será muito bem demonstrado aqui a partir de quarta-feira, quando ele estreia como nosso mais novo colunista —, então vou tentar não estragar tudo entremeando o texto jovial e irreverente mandado de volta por ele via FaceMessenger ou WhatsApp (modernices que dominamos mas mal lembramos o nome) com todas as perguntas. Só as necessárias á contextualização. Aproveita que daqui em diante é ele mesmo falando. 

“Nasci em Cuiabá, de mãe paulista e pai mineiro. Comecei a ler relativamente cedo (acho que aos sete ou oito anos eu já lia compulsivamente). Me lembro da mãe de uma amiga de colégio que achava muito engraçado me ver andando sempre com livros que, segundo ela, eram quase do meu tamanho. 

Comecei a ‘escrever’ cedo também. Coloco a palavra entre aspas porque eram na verdade brincadeiras as coisas que eu fazia, eram um jeito de passar o tempo, de arranjar uma diversão: nós (eu e meus amigos) escrevíamos histórias que circulavam pelo grupo, histórias essas que eram aumentadas com textos de cada um. Ou seja, eram histórias que recebiam contribuições de todos os amigos: como um enorme Frankenstein. As ‘histórias’ eram bem ruins, mas serviram de exercício, e por causa delas pude treinar a escrita desde muito cedo. 

Acho que aos 14 ou 16 anos comecei a escrever de fato. Não por coincidência, nessa hora troquei a ‘prosa’ (entre aspas também, já que seria um desrespeito com os colegas escritores dizer que eu escrevia prosa de fato) pela poesia. 

Essa mudança, esse início da minha escrita tem dia marcado: foi depois de ler ‘I-Juca Pirama’ numa aula de literatura. O ritmo do poema ficou tão marcado na minha cabeça que eu comecei a pensar e falar naquele ritmo: nesse mesmo dia, quando eu voltei para casa, sentei e escrevi meu primeiro poema, na métrica e no ritmo do ‘I-Juca Pirama’. 

Acho que o tema mais caro à minha escrita é o homem. O problema é que esse tema não delimita nada: quase tudo pode entrar nessa categoria de ‘o homem’, de ‘experiência do homem de hoje no mundo de hoje’. Vou tentar explicar. Algumas coisas são eternas: morte, luto, luta, amor, ódio, injustiças sociais; o que muda é o modo que isso afeta cada homem de cada época, de cada lugar. Ou seja: o homem é a minha matéria — nunca a ‘perfumaria’ literária, nunca as experimentações linguísticas pura e simplesmente, nunca o mundinho artificial das rodas de artistas. 

Todas essas coisas (experimentação linguística, círculos literários, rodas de artistas) que eu citei podem e devem existir, sim, mas apenas se forem instrumento de investigação dos abismos que todo homem carrega. Elas não podem existir por si. Eu não consigo ver a arte como uma coisa fria, uma coisa restrita a poucas pessoas: a arte pode ser tirada de todo lugar, e só saber olhá-la. 

Também não acredito em arte como ‘desabafo’: aliás, acho que muitos aspirantes a artistas caem nessa história de arte-desabafo. Desabafo é desabafo, arte é arte. Se precisa desabafar, chama o seu melhor amigo para conversar. A arte é outra coisa, é um jeito de perceber o mundo e de nele interferir, um jeito de conhecer o homem: é quase um instrumento (ferramenta mesmo, como as dos marceneiros e pedreiros) para escavar a montanha que é o homem, pra ver o que a gente acha embaixo de toda a areia. A arte é (precisa ser) cotidiana. 

Lendo algumas entrevistas sobre o método de escrita de vários poetas (alguns decidem escrever, sentam-se e escrevem; outros ficam meses trabalhando num só poema; outros vislumbram o poema inteiro na cabeça e conseguem passá-lo para o papel numa sentada só; outros escrevem dois poemas por ano; alguns escrevem 20 por mês; etc), eu cheguei à conclusão que o meu se aproxima mais daquele da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen: ela dizia que os poemas estavam já completos, espalhados mundo afora, pelo ar, e que se você ficasse quietinho um tempo e prestasse muita atenção, você poderia escutá-los. 

Isso pode soar como um mito (e é, claro), mas é assim que eu vejo a minha escrita. É assim que eu escrevo. Eu nunca decido sentar para escrever: o poema simplesmente estala quase completinho na minha cabeça, ainda que eu esteja no ônibus, no metrô, na rua, no banho, em aula, na cama, no elevador, num restaurante, numa conversa com alguém. Enfim: normalmente o poema está todo na minha cabeça quando vou escrever e ele já sai quase sem que eu precise rasurar o papel (mesmo se ele for um poema metrificado, como um soneto ou uma retranca, por exemplo). 

E, por fim, respondendo à sua última pergunta, acho que ninguém pode ‘sentir o peso do mundo’. Podemos sentir o peso de uma experiência, de um momento decisivo na vida de alguém. Dessas coisas podemos sentir o peso, sim, mas não ‘do mundo’. O próprio Drummond, que escreveu ‘Mundo mundo vasto mundo, / mais vasto é o meu coração’, mais tarde voltou atrás e criou os versos ‘Não, meu coração não é maior que o mundo. / É muito menor. / Nele não cabem nem as minhas dores’. 

O muito é muitas coisas, não dá pra colocá-lo em palavras, e aí mora a genialidade da arte: ela nunca vai acabar, porque a matéria dela (a vida) também nunca acaba — mesmo quando há morte a vida não acaba. Eu não sou nem mais triste nem mais feliz por ser poeta (como não lembrar da Cecilia Meireles?), se eu não escrevesse eu provavelmente sorriria e choraria do mesmo jeito. A diferença é que a arte te faz conhecer melhor o homem, e isso é um consolo”. 

As perguntas foram: faça uma minibiografia; quando começou a escrever? Por que entrou nessa? Quais os temas mais caros a você? Como lida com a existência criativa? Você faz parte dos que conseguem ser felizes e só sentem o peso do mundo quando escrevem? 



SERVIÇO 

O QUE: Lançamento de “É” (livro de poemas) – 2ª edição, de Matheus Jacob Barreto. 

QUANDO: Hoje (29 de julho de 2014, terça-feira), às 19h30. 

ONDE: Academia Mato-grossense de Letras (Rua Barão de Melgaço, 3684 – Centro). 

QUANTO: Acesso franco e livre. 

 

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