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Psiquiatra alerta sobre risco de querer "estar feliz" o tempo todo
Por ÉRIKA OLIVEIRA /Midianews
29/08/2016 - 13:50

Foto: Marcus Mesquita/MidiaNews

 

A sociedade atual, urbanizada, traz consigo um novo estilo de vida, que influencia costumes, atitudes e comportamentos. Os avanços tecnológicos e a busca exacerbada pelo prazer potencializam o que os especialistas classificam como a "supervalorização da auto-realização" nos indivíduos. 

 

A necessidade de sentir e demonstrar felicidade constanteé uma particularidade da influênciados estereótipos culturais dessa geração, afirma o médico psiquiatra Dr. Carlos Periotto.                                

 

“Ninguém quer demonstrar tristeza, fraqueza ou insucesso. Eu observo este fato, do ponto de vista comportamental, em alguns pacientes que chegam aqui no consultório. Na maioria das vezes, por um pequeno abalo emocional, eles já tentam tomar remédio”, disse ele, em entrevista ao MídiaNews

 

Periotto é formado em medicina pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Ele se especializou em psiquiatria pela USP de Ribeirão Preto e atende em Cuiabá desde 2013. 

 

Segundo o médico, a vida moderna trouxe consigo muitos fatores que funcionam como um gatilho para desencadear alguns distúrbios mentais.  

 

Nas redes sociais, por exemplo, as pessoas apresentam uma vida editada. É um mundo de felicidade que sempre destaca um lado positivo ou cria ilusões sobre uma vida que parece perfeita. 

 

MídiaNews: Doutor, a maioria das pessoas só expõe aquilo que lhes apresente como um ser humano bem sucedido. Relacionamentos extraordinários, vidas sociais de causar inveja, o emprego dos sonhos... Qual a razão para essa distorção do que é a felicidade?  

 

Carlos Periotto: Isso envolve muito um aspecto cultural das pessoas que vivem nesse mundo moderno. Ninguém quer demonstrar tristeza, fraqueza, insucesso ou

Maturidade real é saber curtir os seus momentos felizes, mas ter consciência que os dias ruins sempre vão existir

 

 

que vive uma fase ruim. As pessoas não querem se apresentar como alguém que só reclama ou que está abalado. Eu observo este fato, do ponto de vista comportamental, em alguns pacientes que chegam aqui no consultório. Na maioria das vezes, por um pequeno abalo emocional, eles já tentam tomar remédio. Maturidade real é saber curtir os seus momentos felizes, mas ter consciência que os dias ruins sempre vão existir e que não temos como controlar isso. Tristeza faz parte da vida, frustração faz parte da vida e, nem toda tristeza conjectura uma depressão. 

 

MidiaNews: Então, o senhor acredita que por estarmos habituados a ver todo mundo feliz o tempo todo, isso pode causar uma dificuldade maior em reconhecer quando estamos realmente precisando de ajudar para enfrentar um momento difícil?  

 

Carlos Periotto: Essa definição é muito subjetiva. O luto, a dor pela perda são reações naturais na maioria das pessoas. Nós temos que interpretar essas situações como algo normal e que não deve ser medicalizado. Nós não temos como fugir de nos sentirmos assim. Doença seria se a pessoa não experimentasse isso. A tristeza muitas vezes pode funcionar como algo edificante. O baque, às vezes, nos ajuda a ter uma visão mais madura sobre as pessoas, sobre nós mesmos, sobre como nos relacionamos. Serve para adicionar experiência para outros momentos. Quando o quadro emocional gera um sofrimento muito exagerado e crônico é um indicativo de doença. 

 

MidiaNews: Quais são os transtornos mentais mais comuns, que são desencadeados por nossos hábitos na vida moderna

 

Carlos Periotto: Falar de disso abrange muita complexidade. Existem sintomas depressivos, existem estados depressivos e existe uma síndrome depressiva completa, em que nós vemos a doença de maneira clara. A experiência de episódios traumáticos pode desencadear o transtorno de estresse pós-traumático, crises de ansiedade agudas, transtorno do déficit de atenção com hiperatividade - TDAH, transtorno obsessivo-compulsivo e a própria depressão nervosa. A princípio, esse estresse da vida moderna pode ser tratado como uma ansiedade comum. Mas, com certeza, alguém que vive sobre forte ansiedade, corre mais riscos de evoluir para um quadro depressivo. Os estressores ambientais funcionam como um gatilho para apresentação de uma doença. 

 

MidiaNews:  O que seriam esses estressores ambientais e de que forma eles desencadeiam os transtornos mentais? 

 

Carlos PeriottoA perda de um ente querido, a perda de um emprego,  o fim de um relacionamento, episódios traumáticos, como por exemplo, vivenciar um assalto, o ritmo de vida que levamos. Com as redes sociais, hoje, tudo acontece muito rápido. Tentar acompanhar esse ritmo, às vezes, acaba gerando frustração em algumas pessoas. O humor da gente flutua naturalmente em polos de ansiedade, de tristeza e de alegria. A maioria das pessoas consegue lidar com esses estressores de forma madura. Mas, quando isso não acontece e a tristeza se torna muito exagerada, é que a gente dá o nome de alguma doença psiquiátrica. 

 

Normalmente, nós calculamos que duas semanas é o tempo necessário para que uma pessoa supere um evento traumático

 

 

MidiaNews: Como nós podemos, então, identificar se essa tristeza é passageira ou se carece de acompanhamento médico? 

 

Carlos Periotto: O sofrimento exagerado é o primeiro indicativo de uma doença. Quando o quadro emocional gera um sofrimento crônico, ele traz prejuízos às capacidades funcionais e ocupacionais. "Ah doutor, eu estou triste há muito tempo, não consigo tocar a minha vida, não consigo trabalhar, não sinto mais vontade de viver". Normalmente, nós calculamos que duas semanas é o tempo necessário para que uma pessoa supere um evento traumático. Por isso, o critério tempo sempre é levado em consideração no diagnóstico da depressão. 

 

MidiaNews:  O que é a depressão? 

 

Carlos Periotto: Depressão é um termo técnico para uma doença mental. Suas causas incluem desequilíbrio químico do cérebro e acontecimentos desgastantes. Para que ela aconteça não basta estar triste. A tristeza, neste caso, é persistente, envolve falta de vontade pela vida, falta de prazer pelas coisas, pensamentos suicidas, alterações no sono, no apetite e falta de concentração em tarefas rotineiras, por mais de duas semanas. Não existe uma receita de bolo para o diagnóstico da depressão. Na maioria dos casos, a pessoa não reconhece a sua dor como um caso clínico. 

 

MidiaNews:  De que maneira é feito o diagnóstico da depressão? 

Marcus Mesquita/MidiaNews

Doutor Carlos Renato

Psiquiatra alerta: depressão não é frescura e pode acometer qualquer pessoa

 

Carlos Periotto: A doença psiquiátrica, infelizmente, não pode receber nenhum diagnóstico através de um exame. Não existe um marcador biológico que indique se a pessoa está deprimida ou não. Eu costumo dizer que, os nossos primeiros psicólogos são a nossa família, os nossos amigos, as pessoas que convivem com a gente. Nós devemos, em primeiro lugar, entender os distúrbios psiquiátricos. Nunca podemos tratar como frescura a situação vivida por alguém que enfrenta um quadro depressivo. Isso ocorre com qualquer um e não escolhe raça, não escolhe classe social, não escolhe idade. Todo mundo está à mercê de um quadro ansioso ou um quadro depressivo ao longo da vida. Quando o indivíduo abandona hábitos, tem irritabilidade, insônia, um cansaço demasiado, ocorre pensamentos suicidas e não consegue demonstrar apatia nem se concentrar em atividades rotineiras, é preciso estar alerta. Se todos estes sintomas persistirem por mais de duas semanas, é interessante procurar ajuda médica. 

 

MidiaNews: Quando a depressão é diagnosticada, como acontece o tratamento? É sabido que o uso de medicamentos psiquiátricos divide opiniões. Afinal, o remédio é ou não essencial? 

 

Carlos Periotto:  Os medicamentos psiquiátricos, quando bem indicados, são absolutamente necessários e conferem qualidade de vida e saúde para as pessoas com depressão. Relativizar o uso do medicamento é um grande problema. Eu vejo essa situação de duas maneiras: de um lado, algumas pessoas condenam a medicação, o que é absolutamente equivocado. Do outro, estão as pessoas que consideram o remédio necessário em qualquer situação. A medicação psiquiátrica retorna a pessoa para sua capacidade funcional e social. Sem medicação, no quadro patológico, o paciente não consegue conviver em sociedade ou executar as funções que exercia antes. Tem paciente que chega aqui no consultório e diz: "Doutor eu quero dormir". Eles já sabem até o nome do remédio que querem tomar porque fulano ou ciclano fez uso e "funcionou para ele". Algumas marcas são bem conhecidas e faladas. A pessoa acha que aquilo é a solução, e vem aqui só pra pedir a receita. 

 

As drogas mais procuradas aqui no consultório são os benzodiazepínicos, os famosos calmantes tarja preta

 

 

MidiaNews: E quais são os medicamentos mais procurados pelos pacientes? Como eles agem na mente de quem os utiliza? 

 

Carlos Periotto: As drogas mais procuradas aqui no consultório são os benzodiazepínicos, os famosos calmantes tarja preta. Os distúrbios mentais afetam o cérebro e os neurônios. Essas condições diminuem a capacidade dos neurônios produzirem e transportarem algumas substâncias essenciais. Ou seja, alteram a capacidade do cérebro responder saudavelmente ao ambiente, moldando-se e aperfeiçoando as funções mais necessárias ao equilíbrio mental e à qualidade de vida. E é ai que a medicação entra. Trocando em miúdos, os medicamentos psiquiátricos agem modulando a transmissão entre um neurônio e outro. Ou eles aumentam a presença de um transmissor ou bloqueiam outro. E, consequentemente, ele consegue modular a atividade de circuitos cerebrais associados ao medo, ao humor, à desconfiança, a interpretação do ambiente do que é real e do que é fantasia. 

 

MidiaNews: Além da medicação, há outras formas de tratamento? A psicoterapia é indicada nestes casos? 

 

Carlos Periotto:  A Psicoterapia é bem vinda para qualquer pessoa em qualquer fase da vida. No entanto, este tratamento ainda é ainda mal visto por muitas pessoas. Muitas vezes a gente sugere psicoterapia, por entender que não há um quadro patológico. O que a pessoa precisa é aprender a enfrentar melhor determinadas situações. No entanto, alguns pacientes se ofendem quando eu sugiro este tipo de tratamento. E para a psicoterapia dar resultados, é necessário que o paciente esteja realmente disposto a receber este tipo de tratamento. Você deve estar aberto. Do contrario, é como uma pessoa que vai à academia e não realiza nenhuma atividade física. Psicoterapia é malhar o psicológico. É uma atividade física para o emocional. Mas eu não sou a favor da imposição da psicoterapia para todas as pessoas. Ela não oferece riscos e não possui contraindicações. Acontece que, mesmo sendo um tratamento bem-vindo em qualquer momento da vida, independente de se estar saudável ou doente, ela não deve ser imposta. Uma pessoa saudável, sem nenhuma doença psiquiátrica, pode ter momentos de confusão e de angústias. Isso é algo totalmente natural. Mas, se ele consegue mentalizar suas emoções, é alguém que, provavelmente, tem uma saúde mental muito boa. Então qual a necessidade  dessa pessoa fazer psicoterapia nesse momento em que ela esta com a mente sadia? 

 

MidiaNews: Que conselhos o senhor daria para que as pessoas trabalhem melhor as suas emoções e consigam lidar de forma madura com os estressores ambientais que o senhor citou? 

 

Carlos Periotto:  A melhor prevenção à este tipo de doença, é adotar hábitos de vida saudáveis. Praticar esportes, seguir uma religião e, principalmente, procurar lidar com as frustrações de forma madura. Estipular horários para realizar as tarefas corriqueiras, estabelecer horários para descanso, enfim, levar uma vida com certas regras e equilíbrio. Eu diria para que não façam uso de substâncias entorpecentes, de drogas e que regulem o consumo de substâncias que nos causem muita agitação. E nunca devemos julgar quem passa por este tipo de situação. A abordagem tem que ser de tentar entender e acolher. Os transtornos mentais podem acometer qualquer pessoa, mas quando são tratados, não impedem nínguem de levar uma vida normal. 

 

 

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