Com paciência beneditina, ao longo do tempo, costurei os modestos textos que são marcos testemunhais de minha carreira a um passo do fim.
Segunda-feira, 4 de julho de 1998. Lucas do Rio Verde com 14.573 habitantes completa 10 anos de emancipação. A energia gerada por motores estacionários oscila e falta. É verão amazônico e uma nuvem de pó vermelho cobre a cidade. Falta infraestrutura, mas sobra sonho, o sonho bom que a transformou na regional metrópole emergente com 61.515 residentes, que cresce em ritmo alucinante esbanjando a qualidade de vida que a faz sedutora, envolvente, irresistível e lhe confere destaque nacional.
Mergulhada num dos maiores escândalos da área agrícola brasileira a Cooperativa Agropecuária Cooperlucas é um fantasma personificado por seu principal armazém e sede à margem da BR-163. Não longe dali outra cooperativa, a Cooagril, esbanja vitalidade e ensaia vigorosos passos na suinocultura com matrizes canadenses. A área urbana fervilha.
As palavras de Arlindo Porto, ministro da Agricultura, pouco antes ao lançar a Safra Agrícola Nacional, na fazenda Munaretto, ainda ecoam no CTG Sentinela da Tradição, onde disse que vinha de Minas, a terra que nos ensinou lutar por liberdade, e que em oração via o abençoado município de Lucas produzindo alimento para o mundo.
Fui a Lucas para uma reportagem sobre seus primeiros 10 anos. Dentre outros ouvi o produtor rural Heitor Nicolette, da fazenda Entre Rios, que era um dos 11 remanescentes entre os 238 parceleiros do projeto do Incra que contribuiu para a ocupação do vazio demográfico no entorno da vila que brotou de um acampamento criado pelo comandante do 9º BEC – que abria a BR-163 – coronel José Meirelles. Conversei com produtores sobre a novidade do milho safrinha, que desbancou o milheto da rotação da lavoura de soja.
Desci a escadinha depois da última foto sobre uma colheitadeira. Peguei a estrada empoeirada. Estava com pressa. Queria voltar para Rondonópolis, onde morava. Passei em alta velocidade por uma casa modesta cobrindo-a de poeira. Cheguei à BR-163 e senti falta da agenda onde anotei minhas conversas. Fiz o caminho inverso e novamente empoeirei a citada moradia. Por sorte a encontrei. Novamente sai. Quando me aproximava pela terceira vez daquela residência um jovem na pista sinalizou para que eu parasse. Era o pai de um recém-nascido, que por três vezes foi sufocado pelo poeirão do meu carro.
Durante muitos dias tive dificuldades para dormir pensando na lição que tomei do morador à beira da estrada. Ficou o ensinamento e o adoto no jornalismo. Graças a ele não entro no clima da primazia do furo eletrônico que às vezes foge da qualidade editorial, subestima a verdade e tromba com harmonia da vida. Com paciência beneditina, ao longo do tempo, costurei os modestos textos que são marcos testemunhais de minha carreira a um passo do fim.
Eduardo Gomes de Andrade, jornalista