Atualmente poucos não possuem perfil em uma ou nas diversas mídias sociais que existem e que agitam o espaço virtual, como Facebook, WhatsApp ou Instagran. Afinal, todos querem estar antenados, de preferência, o tempo todo. Porque hoje tudo acontece com velocidade inimaginável e ninguém quer ficar por fora do assunto do momento, logo, de fora do mundo virtual. Estar o tempo todo plugado é quase que uma necessidade incontrolável. Para muitos, virou verdadeira e imperceptível compulsão.
Interessante como a ordem natural se inverteu, de forma até bem confusa, a exemplo da dificuldade de entender qual é o mundo real e qual é o imaginário, como ocorre no filme, hoje clássico, denominado Matrix. Quero dizer, quem não está no mundo virtual, passa a praticamente não existir no mundo real, como se o virtual fosse mais real que a própria realidade!.
Não interessa se o tema (que agora se popularizou sob o nome “meme”, que é algum tipo de arquivo – vídeo, áudio etc - que rapidamente “viralize” na rede mundial de computadores) vai me afetar ou não, como, por exemplo, se o barraco é entre Donald Trump e Kim Jong-Un, longínquas autoridades que falam demais, aparentemente sem refletir nas graves consequências de suas declarações, respectivamente presidentes dos Estados Unidos e da Coreia do Norte. Independentemente do assunto, quem aceita sua autoexclusão do mundo virtual?
Convenhamos, é muito ruim estar por fora do que as pessoas comentam, ainda que isso exija o domínio de assunto que ordinariamente não componha nossa lista de interesses. Especialmente desconfortável deve ser para as pessoas mais tradicionalistas, por exemplo, ter de falar com alguma desenvoltura sobre o último desempenho de atores ou cantores pouco ortodoxos no tocante à forma como se vestem, como se comportam no palco, ou ter de comentar o mais recente sucesso do mundo funk e suas excentricidades. Mas o que importa é participar do ambiente virtual.
Neste contexto, surge uma questão que não parece tão clara para boa parcela dos usuários dos aplicativos disponíveis na internet. E que tem a ver, segundo penso, com a noção equivocada de que a internet, por ser ilimitada em conteúdo e aplicações, por ser um campo em que absolutamente todos podemos participar e expor nossas ideias, disso se possa concluir que se trata de um mundo livre. Livre de limites, de censura, de barreiras.
Aviso: não se deixem enganar. Há limites na internet! O direito à honra prevalece em qualquer espaço.
Embora não existam muitas leis específicas regulando esse universo, exceto o marco civil da internet (Lei nº 12.965/14), por conta do espectro muitíssimo amplo de possibilidades no ambiente virtual, a edição de outras leis talvez se mostre necessária, a partir do surgimento de cada caso concreto que possa justificar a medida.
No entanto, não se deve ignorar que o atual sistema normativo permite a responsabilização de pessoas que eventualmente excedam o bom senso e a legalidade, violando o direito da pessoa objeto de sua postagem em qualquer das várias mídias sociais disponíveis, e este é, em resumo, o objetivo deste artigo, no sentido de trazer um alerta aos usuários destas mídias.
Decididamente, não se pode sair por aí falando o que bem entender das pessoas na rede mundial de computadores.
Para vivermos em sociedade, todos temos de lembrar (e de praticar) de deveres de variada ordem (moral, legal). Que o limite de um dever pode esbarar em outro, que o exercício de um direito por uma pessoa pode entrar no território do direito de outra, que a ordem moral não sanciona a inobservância de um dever, mas o Direito poderá fazê-lo, se houver excesso que extrapole a mera questão moral.
Vou desenhar para melhor explicar o que quero advertir: todos sabem que os pais devem zelar pelos filhos. Trata-se de um dever moral e legal. Contudo, em princípio, ninguém será punido se não for propriamente carinhoso com o filho, mas o será se não lhe der alimentação, educação formal, assistência de variada ordem (aqui caberia a observação de que o carinho pode ser considerado uma forma de assistência psicológica...). Enfim, há uma linha delicada entre o fim do dever meramente moral e o início do dever legal.
Neste sentido, também na internet ninguém precisa elogiar as pessoas, mas não lhes pode ofender a honra. O que não se pode fazer no mundo real, não se pode fazer também no ambiente virtual. Simples assim!
Que fique claro: o uso normal da rede não gera dano algum. Entretanto, quando a postagem de mensagens (por texto, vídeo, áudio, fotos etc) ofender alguém, aí passará a existir o direito do ofendido de requerer a devida reparação, de natureza cível ou penal, ou seja, mediante indenização ou por condenação criminal, conforme for o caso.
É que existem pessoas que utilizam as redes sociais com finalidades contrárias às regras legais, com intenção (clara ou disfarçada) de atingir a esfera íntima, pessoal, profissional etc de outrem, e em decorrência disso causam-lhes constrangimentos ou outras formas de exposição desnecessária e ilegal, o que deixa de ser exercício legítimo de um direito por parte de quem veicula a postagem e passa ser conduta ilícita, sujeita às sanções legais. Em alguns casos, pode não existir a intenção, mas a mera culpa pode também gerar as consequências já mencionadas (nos casos de negligência, imprudência, imperícia), como costuma ser o caso de quem simplesmente compartilha o que tenha recebido de outra pessoa.
A responsabilização civil, por meio de indenização, por exemplo, nasce com a ocorrência do dano, que surge a partir da prática do ato contrário à legalidade (ato ilícito) e, em geral, não depende da responsabilidade penal.
Isto é, além de ter de indenizar o ofendido, no caso de haver o reconhecimento judicial de um dano moral, o autor de postagem com tal tipo de conteúdo pode responder a uma ação penal, se ficar caracterizada a prática de algum crime, como, por exemplo, difamação, calúnia ou injúria, discriminação de natureza racial, religiosa, sexual etc.
E não somente o autor da postagem, mas também a pessoa que a replica para outros, que simplesmente passa a matéria “para frente”, e não interessa se foi por Facebook, Instagran, WhatsApp, Twitter ou qualquer outra mídia. A 2ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, manteve sentença que condenou duas mulheres a indenizar um veterinário devido a uma publicação no Facebook. A primeira porque fez a publicação e a segunda por ter “curtido” e “compartilhado” o conteúdo.
Também não importa se a postagem foi feita via email ou no blog, se foi por notebook, tablet, smartphone (celular) ou qualquer outro equipamento. O que interessa é o conteúdo. Se foi ofensivo, abre-se para o ofendido a possibilidade de apresentar queixa-crime a um delegado de polícia, se for o caso, ou eventual formulação de uma ação judicial, mediante advogado, para obter reparação civil (indenização por dano moral, por exemplo) ou condenação criminal (na área penal).
Vale ressaltar que a prova do ato ilícito que pode gerar o dever de indenizar ou a responsabilidade criminal não é de difícil produção, pois basta que o ofendido gere um printscreen (salvar a tela do celular com a mensagem, por exemplo), ou por pesquisa do IP (internet protocol) da máquina de onde tenha partido a postagem, ou por meio do endereço da URL (Uniform Resource Locator), ou outro mecanismo de identificação ou rastreamento do arquivo ou do aparelho. Há, ainda, a possibilidade da ata notarial, prevista no art. 384 do Código de Processo Civil, em que o interessado comparece em cartório para fazer prova de algum fato que possa repercutir em sua esfera de direitos, sem esquecer, ainda, do bom e antigo BO – Boletim de Ocorrências, feito perante a autoridade policial.
É bom repetir: mesmo não havendo crime de internet definido em lei específica, para esses casos são aplicáveis as leis penais já em vigor, pois racismo ou calúnia, dentre outros, são crimes em qualquer ambiente.
Se por um lado é direito de todos a livre manifestação do pensamento, conforme previsão contida no artigo 5º, IX, da Constituição Federal, sendo a liberdade de expressão um preceito altamente prestigiado no Estado Democrático de Direito, sob outro prisma, deve haver ponderação desse direito quando em confronto com outro princípio constitucional fundante, que é o da dignidade da pessoa humana, porque não há direito de caráter absoluto. A ofensa à honra, à integridade moral, advinda do exercício arbitrário do direito de opinião, quando ultrapassa o bom senso e os parâmetros da razoabilidade, deve ser sancionada.
A postagem com intenção (ou não) de lesar a imagem de outra pessoa constitui ato ilícito e grave, pois uma vez lançada no mundo virtual perde-se totalmente seu controle, porque seu alcance é “somente” mundial. E depois que um terceiro replique a postagem e outros também o façam, não se tem mais ideia da abrangência do bolha que se tenha criado a partir daquela postagem inicial.
Mostra-se oportuno lembrar de um ditado que já alcançou status de domínio público: “Somos escravos das palavras que pronunciamos, mas senhores daquelas que não proferimos”. De origem bíblica, a observância desse preceito pode nos evitar grandes problemas jurídicos.
A internet não é uma terra sem lei. Há limites. É a dignidade da pessoa humana que não reconhece limite para sua observância.
Vale lembrar: dano moral é dano moral em qualquer lugar!
GISELE NASCIMENTO é advogada