Proposta já foi rejeitada pela AGU, que classificou a seleção do Governo como inadequada e inflexível
Apresentada como contraproposta do Governo ao texto original da Lei 12.197/2023, a lista de 12 espécies de peixes proibidas para o armazenamento, comércio e transporte em Mato Grosso em nada modifica a inconstitucionalidade do projeto. Novamente, o Executivo não apresentou estudos científicos que justifiquem a proposta, que permanece colocando em risco os direitos previdenciários de pescadoras e pescadores ao proibi-los do integral exercício profissional. De imediato, a lista já recebeu um parecer contrário da Advocacia Geral da União (AGU), que na última sexta-feira (24), pediu a suspensão dos efeitos da Lei.
De acordo com a manifestação da AGU, o Decreto Estadual nº 677, de 1º de fevereiro de 2024 e a proposta de conciliação “não são suficientes para sanar a inconstitucionalidade presente na legislação impugnada e nem para solucionar as graves consequências impostas aos pescadores artesanais”. Isto porque, a lista de 12 espécies proposta pelo Governo de Mato Grosso representa cerca de 90% da produção desembarcada de pescado, o que se mantida afeta diretamente “o núcleo essencial ao direito à cultura, à livre iniciativa e à dignidade da pessoa humana se mantém, bem como a desproporcionalidade do ônus imposto a uma das muitas atividades que impactam os estoques pesqueiros”.
A advogada do Fórum Popular Socioambiental de Mato Grosso (Formad), Bruna Bolzani, ressalta que a proposta, além de desrespeitar o acordo celebrado na audiência de conciliação no STF em janeiro deste ano, evidencia que as inconstitucionalidades do projeto não foram resolvidas. Ela destaca ainda que no seu posicionamento, a AGU também apresentou notas técnicas e informações da Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, do Ministério da Pesca e Aquicultura e do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, todas rejeitando a proposta do governador.
“O pedido de inconstitucionalidade do Cota Zero foi reforçado de forma inabalável e novamente a AGU pediu a urgente concessão da cautelar para suspender imediatamente os efeitos da lei. O Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, por meio de nota técnica, também pontuou que a proposta viola até mesmo o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. As severas restrições violam, ainda, o princípio constitucional da vedação do retrocesso social e da proporcionalidade, o qual visa ‘neutralizar abusos do Poder Público no exercício de suas funções’, conforme dito pela AGU, que chamou de inadequada a proposta apresentada”.
Seleção inadequada e inflexível
Pela proposta do Governo, a proibição ao armazenamento, comércio e transporte por cinco anos, a partir de 2024, seria fixada às seguintes espécies: cachara, caparari, dourado, jaú, matrinchã, pintado/surubin, piraíba, piraputanga, pirara, pirarucu, trairão e tucunaré. Segundo a AGU, a seleção foi tratada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, como “inadequada e inflexível”, além da inexistência de segurança para se afirmar que "não haverá hipóteses de descaracterização da condição de segurado especial" mesmo com as alterações no texto original. O órgão afirmou ainda que a Lei ofende a liberdade do exercício profissional, uma vez que a atividade pesqueira artesanal NÃO representa uma ameaça aos recursos pesqueiros do Estado..
Por este motivo, o Advogado-Geral da União, Jorge Rodrigo Araújo Messias manifestou-se pela imediata concessão de medida cautelar, diante do “comprovado perigo na demora da prestação jurisdicional e, no mérito, pela procedência do pedido formulado pelo requerente”.
Riscos previdenciários ainda não solucionados
A questão previdenciária já foi motivo de posicionamento da Defensoria Pública da União (DPU), que em nota técnica publicada em outubro de 2023 alertou sobre o dano existencial da Lei, que pode extinguir a cultura do povo mato-grossense, restringindo o direito à aposentadoria de pescadoras e pescadores. O documento, protocolado em algumas das ações de inconstitucionalidade da Lei aponta para outras violações de direitos como a retirada compulsória da Previdência Social, perda do seguro-defeso, dano existencial e ao projeto de vida, violação do direito ao trabalho enquanto direito social e a existência de comunidades tradicionais pesqueiras.
Sobre esse ponto, o parecer da AGU diz que a proposta do Governo extrapola a competência do ente estadual para legislar sobre a Previdência Social ao citar as perdas de benefícios sociais com a vigência da Lei.
Tramitação, novamente, acelerada na ALMT
O texto do decreto 677/2024, transformado no Projeto de Lei Complementar 27/2024, ainda não foi avaliado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que julga três ações de inconstitucionalidade do Cota Zero. Mesmo assim, ele entrou na ordem do dia da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALTM) na semana passada. A votação acabou sendo adiada após um pedido de vista dos deputados estaduais Dr. Eugenio (PSB) e Wilson Santos (PSD).
A previsão é de que a pauta volte à votação na Casa esta semana, deixando evidente mais uma tentativa da bancada governista em aprovar outro projeto inconstitucional apresentado pelo empresário e governador Mauro Mendes.