Mesmo com a proibição do casamento civil com menores de 16 anos, o casamento infantil ainda é uma realidade em Mato Grosso. De acordo com o Censo 2022, 946 crianças e adolescentes de 10 a 14 anos vivem em uniões conjugais no estado. No Brasil, são mais de 34 mil nessa faixa etária, sendo quase 80% meninas.
O levantamento integra o questionário da amostra do Censo, divulgados no dia 5 de novembro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aborda temas relacionados à nupcialidade e à estrutura familiar. As informações se baseiam nas declarações prestadas pelos próprios moradores, sem a necessidade de apresentar documentos ou certidões que comprovem a união.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Estadão Mato Grosso, o promotor de Justiça Paulo Henrique Amaral Motta, da 14ª Promotoria Cível de Defesa da Infância e Juventude de Cuiabá, afirma que casos desse tipo continuam sendo identificados, inclusive envolvendo crianças de apenas 10 ou 11 anos. Segundo ele, a situação ocorre principalmente em áreas rurais, mas também atinge bairros centrais e periféricos da capital.
“Infelizmente, ainda são identificados inúmeros casos de uniões conjugais precoces em Cuiabá e em Mato Grosso, alguns envolvendo até mesmo crianças de dez ou onze anos de idade”, afirmou o promotor.
Motta explica que as uniões prematuras geralmente acontecem em contextos de vulnerabilidade social e perpetuação de costumes antigos, muitas vezes com a concordância das próprias famílias.
“Na maioria das vezes, essas uniões acontecem nas zonas rurais, com a concordância dos genitores, onde alguns costumes antigos, mesmo que negativos, ainda são mantidos. Mas, na Promotoria de Justiça, já surgiram casos conjugais envolvendo crianças e adolescentes das mais diversas classes sociais, e também dos mais variados bairros de Cuiabá, tanto dos mais centrais quanto dos mais periféricos”, disse.
Entre os fatores que contribuem para o problema, o promotor cita a miséria e a falta de orientação familiar, especialmente em situações que envolvem gestações precoces.
“Uma criança ou um adolescente se casa com uma pessoa mais velha, geralmente de uma classe social mais elevada, em troca de uma vida melhor para ela e para seus familiares”. Também há uniões motivadas por namoros que resultam em gravidez “Há também alguns casos envolvendo namoros entre adolescentes, que acabam culminando em gestações não planejadas, quando, então, as famílias, pensando estarem certas, incentivam as uniões conjugais daqueles jovens, muitas vezes com doze ou treze anos de idade, sem qualquer maturidade para um matrimônio”, explicou.
Quando o Ministério Público é informado sobre casos assim, segundo Motta, são aplicadas medidas imediatas de proteção, com o apoio do Conselho Tutelar e do Judiciário. Paralelamente, é instaurada uma apuração criminal ou infracional para investigar as circunstâncias da união e possíveis responsabilidades de adultos envolvidos.
Apesar da lei que proíbe qualquer casamento com menores de 16 anos desde 2019 (Lei nº 13.811/2019), o promotor ressalta que ainda existem uniões informais, muitas vezes toleradas socialmente.
“Ainda existem práticas informais envolvendo crianças e adolescentes em uniões conjugais, as quais são, na verdade, problemas sociais que, na maioria das vezes, culminam em violência doméstica, evasão escolar, gravidez precoce, dentre outros male”, alertou.
Para Motta, é dever de toda a sociedade proteger a infância e denunciar situações de violação de direitos.
“Toda e qualquer criança e adolescente é uma pessoa ainda em desenvolvimento, devendo ser destinatária de uma proteção integral, que é uma obrigação inerente ao Poder Público, à comunidade e à família. Dessa maneira, os direitos infantojuvenis devem ser preservados, e toda violação comunicada ao Ministério Público ou ao Conselho Tutelar, inclusive as situações envolvendo uniões conjugais”, concluiu.