Motorista de 64 anos teve prejuízo financeiro por constar em processo criminal no lugar do verdadeiro investigado
A Justiça acolheu o pedido da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso (DPEMT) e determinou o desarquivamento do inquérito policial para excluir os dados pessoais de V. A. da S., 64 anos, inseridos indevidamente em um processo criminal, em Cáceres (218 km de Cuiabá), no lugar do verdadeiro investigado, que tem o mesmo nome dele.
“O Requerente, que é pessoa estranha ao presente processo, foi surpreendido com recusas de contratação de transportes de cargas, que sempre realizou, no regular exercício de sua profissão, sob a alegação, por seus habituais contratantes, de existência de registro do feito criminal acima, em que seus dados pessoais aparecem vinculados, na condição de investigado, o que tem lhe causado sérios prejuízos financeiros, além de afetação de sua honra objetiva e subjetiva”, diz trecho do pedido do defensor público Odonias França de Oliveira.
A decisão, de 22 de outubro, é da juíza Lucélia Oliveira Vizzotto, da 3ª Vara Criminal de Cáceres. A magistrada determinou a correção do cadastro no sistema, junto ao Juízo da Execução Penal e demais órgãos competentes, para remover as informações inseridas irregularmente, prevenindo novas violações de direitos.
“Perdi várias cargas. Sou caminhoneiro. Trabalho com carga de grãos, soja, milho. Fui verificar o que estava acontecendo na delegacia, falei com o escrivão e ele disse que tinha um negócio em aberto”, revelou V.
O motorista conta que levou um susto ao descobrir que seus dados constavam em um processo criminal como indiciado pelos crimes de receptação qualificada e furto com abuso de confiança, junto com outros 12 suspeitos.
“Minha filha chegou a falar com o advogado do rapaz (homônimo). Ele ainda tirou sarro dela, disse que o cliente dele estava solto, enquanto eu estava respondendo pelo processo”, relatou.
Ele afirmou ainda que chegou a cogitar devolver a carreta ao genro (proprietário do veículo) e estuda buscar indenização por danos morais e materiais, por conta do prejuízo financeiro e pela situação constrangedora a que foi submetido.

Entenda o caso – O caminhoneiro procurou o Núcleo Cível de Cáceres da DPEMT no dia 10 de outubro relatando a situação.
A Defensoria Pública constatou, então, que os dados pessoais dele estavam vinculados, na condição de investigado, em um processo criminal.
O caso envolvia uma investigação sobre o furto de 64 aparelhos celulares em uma loja de departamentos. Segundo a Polícia Cívil de Cáceres, um funcionário do estoque vendia os aparelhos “por fora” com a ajuda de outros colegas.
As diligências contaram com a análise de câmeras de segurança e depoimentos, que levaram à identificação de comerciantes locais, que foram indiciados por receptação qualificada por terem comprado os produtos furtados.
O caso foi encerrado com a homologação de Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) para quatro dos envolvidos, incluindo o homônimo de V. Assim, o cumprimento das medidas alternativas à prisão resultou na extinção da punibilidade e no arquivamento definitivo do processo em junho deste ano.
Porém, os dados pessoais do motorista, incluindo RG (registro geral) e CPF (cadastro de pessoa física), ainda constavam no inquérito – em vez dos dados do real investigado.
Para comprovar o erro, a DPEMT anexou fotos dos documentos e do próprio caminhoneiro, confrontando com as imagens do verdadeiro acusado na audiência para homologação do acordo.
Com base nisso, a Defensoria Pública imediatamente requisitou o desarquivamento do inquérito policial e a correção dos “erros materiais em questão, para a efetiva exclusão de todos os seus dados pessoais desse inquérito policial, com a devida reinserção dos dados corretos do real investigado, seu homônimo, que constam no termo de interrogatório policial”.
Desse modo, no último dia 22, a Justiça acatou o pedido da DPEMT e determinou que o inquérito policial fosse desarquivado apenas para corrigir os erros documentais, com a exclusão dos dados pessoais de V. indevidamente vinculados ao processo, com a substituição pelos dados corretos do verdadeiro investigado.
A juíza ainda ordenou a remoção das informações indevidamente inseridas na delegacia de polícia de origem do processo, unidade de inteligência da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), Politec, Banco Nacional de Medidas Penais e Prisões do Conselho Nacional de Justiça (BNMP/CNJ) e demais bases de dados.
Segundo a decisão, todas as providências devem ser tomadas no prazo de dez dias e, após a correção dos cadastros, o inquérito deve ser novamente arquivado.
Campanha – Em junho deste ano, a Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso lançou a campanha “Sem defesa, não há justiça”, visando conscientizar a sociedade sobre a importância do direito de defesa e o papel essencial do órgão no Sistema de Justiça. Clique aqui para saber mais.