Carne com Banana Verde: além de uma receita
Por Guilherme Rodrigues Vargas Pantaneiro de Cáceres e professor, especial para o Diário de Cáceres
09/05/2013 - 15:46
Foto: Guilherme Rodrigues
A Carne com Banana Verde é uma prato regional pantaneiro. É um caldo. Come-se no dia-a-dia devido à abundância e a simplicidade de seus ingredientes, porem, como seu preparo é relativamente demorado e cerimonioso, nos dias de hoje acaba por ser relegado às ocasiões especiais, principalmente para receber convidados de outras regiões.
Precisaremos buscar fundamentos históricos e principalmente estabelecer a relação entre o como fazer, o motivo em fazer e a disponibilidade em fazer. Também é bom saber que o resultado será saboroso e aromatizado com uma pitada do espírito pantaneiro. Apreciar um prato tradicional é trazer para si um sabor do passado e fazer-se parte dessa história.
É um prato regional, feito por receitas tradicionais. Tradicional não se infere a pertencer ao domínio de uma sociedade elitizada e estabelecida, mas sim que se transfere por tradição, ou seja, de uma geração para outra; de um grupo para outro. Não seria possível apresentar uma receita tradicional de maneira tão pragmática, apenas com subtítulos de “ingredientes” e de “modo de preparo”.
Não se trata “da receita” de Carne com Banana Verde, mas de “uma receita” do referido prato. Aprendi a fazer observando minha mãe fazer, e talvez ela nem saiba que sei. A partir do momento em que transcrevê-la e alguém reproduzir a receita, poderá estar começando uma nova tradição. Minha maneira de fazer é diferente da que aprendi, e assim se passará. Quando a receita se estabelecer e não se permitir mudanças dela, morrerá por descaracterização. Então prefiro manter esta como “uma receita” e que seja feita como for possível, para que pertença ao nosso cotidiano e não como uma lembrança imaterialmente tombada. "Em cada época deve-se fazer a tentativa de arrancar a tradição do campo do conformismo, que está sempre prestes a subjugá-la", assim diz Walter Benjamim.
Como muitos elementos da cultura mato-grossense, o prato provavelmente foi formado por influência de alguma cultura indígena ao encontro com os hábitos bandeirantes. Leva-se em consideração que o Pantanal é uma região de pecuária secular. Carne bovina está na maioria dos pratos regionais.
O prato pode ser feito com algumas variantes. A que conheço como mais tradicional é com a carne seca (charque), considerando que as charqueadas fazem parte da história econômica de Mato Grosso. Meu corte preferido para este prato é a costela. Utilizo em média 1,5 Kg. É muita carne! Por mais que costela tenha muito osso. Aproveito que sempre faço muito e chamo mais pessoas para vir comer.
A banana tem que estar bastante verde. Tem que ser banana da terra. Em média são 03 ou 04 dedos. Para descasca-las alguns utilizam untar as mãos de óleo de soja, para que a substância esbranquiçada não corroa debaixo das unhas. Após descasca-las, coloque em água para não pretejar. Pique-as na água. Para picar, corte em quatro (em formato de cruz) e vem picando por toda a extensão da banana. Esse é o tamanho ideal. Reserve.
Corte a carne no sentido do fio (osso) da costela; provavelmente ela já venha serrada ao meio. Ponha direto na panela. Panela grande, de preferência. Coloque uma boa quantia de alho e sal aos poucos para temperar; pode ser tempero de alho pronto (completo). Junte generosas pitadas de pimenta do reino. Acrescente vinagre e já pode por no fogo brando. Esse é o processo mais demorado. A carne irá suar e logo começará a fritar na própria gordura. Assim que começar a fritar, coloque um pouquinho de água, para que volte ao cozimento. Faça isso por várias vezes, até que a carne esteja bem frita e macia. A panela formará uma crosta, que dará cor ao caldo. Cuidado para não queimar e para que a carne não ficar dura, porém a carne não pode desmanchar, pois ainda passará por mais cozimento.
Após a fritura, se houver excesso de gordura da carne, retire, mas deixe um pouquinho para fazer o refogado. Em fogo alto, refogue com a carne, 1 e ½ cebola média picada. Prefiro a cebola roxa. Quando estiver bem corada, acrescente dois tomates picados. Deixe o tomate dissolver e acrescente toda a banana (escorrida da água), mexa até incorporar todo o refogado e acrescente água até cobrir. Em seguida coloque um tablete e meio de caldo de carne; prefiro o de costela. Coloque também os temperos prontos à base de glutamato monossódico para carnes (sazon do vermelho). A quantidade de água a ser acrescida é estabelecida de acordo com o tamanho da panela em relação com a quantidade de carne e de banana. A medida correta é aquela que os olhos percebem como ideal.
Deixe em fervura no fogo baixo até que a banana esteja cozida e o caldo bem espesso. Experimente o sal, e o sabor, é claro! Nessa parte pode-se apagar o fogo e esperar o horário de servir. Aproveite o tempo para preparar os acompanhamentos. Algumas carnes poderão se soltar do osso, sinal que está bem macia. Antes de servir, como ultima parte do cozimento, acrescente salsinha e cebolinha picadas. Pode colocar um pouco de tomate picado também, para dar um colorido. Já haverá um cheiro bom e apetitoso no ambiente.
Para ajudar, segue a ordem dos ingredientes e a quantidade:
01 e ½ Kg de costela temperada (Se for outro corte sem osso ou carne seca, pode ser 01 Kg)
04 dedos de banana da terra (conforme o tamanho)
01 e ½ cebola picada
02 tomates picados
01 e ½ tablete de caldo de costela
01 pacote de sazon
01 maço de cebolinha e outro de salsinha picadas
Como a maioria das receitas, o tempo maior se passa picando e preparando os ingredientes. O cozimento também não é rápido, mas o cheiro e a química da transformação dos alimentos são envolventes. Como acompanhamento, pode ser servido arroz branco e salada de verduras cozidas. Se for época, pode acompanhar também um suco de canjiquinha (murici, em outras regiões).
Mesmo que não pareça hábito de nossa época, se estiver muito bom, vão pedir para levar um pouquinho. Os potes para sorvete são os mais disputados, pois não precisam ser devolvido. Se acaso levarem potinho de algum jogo de vasilhas seu, peça para ser devolvido com algum outro prato dentro; diga que é um hábito da tradição local. Furrundú ou banana (da terra e madura) assada com açúcar e canela seriam sobremesas ideais. Siriri e Rasqueado fariam um bom acompanhamento, mas se for perto de dia de santo, corre o risco de virar festa!
Aprecie como tradição!