O poder é cheio de liturgias
Por por Onofre Ribeiro
13/09/2013 - 16:48
O termo liturgia nasceu pelos ofícios religiosos e envolveu sempre um tipo de adoração, ou, mais modernamente, de reverência. Trago o assunto para uma reflexão sobre as liturgias que se criaram ao longo do tempo pra envolver o poder político em particular.
O exercício do poder por si mesmo é árido e não atende às necessidades de ostentação e até de gratificação da alma de quem o exerce, porque ele traz mais aborrecimentos do que prazeres. Herdamos das cortes ibéricas esse gosto exagerado pelas liturgias em torno do poder a fim de transformá-lo em objeto de mando e de reverência dos que não detêm o poder.
Cuiabá é corte e sede do poder político desde 1848. No começo, uma cidade pequena com poucos milhares de habitantes, suas casinhas de terra socada e adobes, cercadas de um grande poder político. Todos os cuiabanos de então conviviam muito perto do poder e por isso desenvolveram uma atitude de convivência com ele. O próprio linguajar era contido e cheio de subterfúgios. Quando se queria duvidar, as expressões eram certeiras e aparentemente inocentes: “será????????????!!!!”, “agooooora quando?????!!!!”, “que é que é esse????!!!”. Ironias refinadas.
Fora isso, a reverência sempre foi forte, até porque Cuiabá continua sendo uma cidade pequena com forte tradição de ser a corte dos poderes políticos municipal e estadual. Os chamados poderes adoram as liturgias. O Judiciário usa togas, tratamento refinado de “excelências pra lá e excelências pra cá”. O mesmo se dá com no Legislativo. Porém, quem mais gosta das liturgias acessórias é o poder Executivo. Quando chega num lugar, além do aparato de segurança e de cerimonial, o chefe do poder é saudado com um toque militar chamado “exórdio”, um afago à autoridade.
A formação dos chamados “dispositivos das autoridades”, seja uma mesa ou um degrau de calçada, obedece a rigorosas normas de hierarquia e de liturgias. Estar no dispositivo é motivo de profunda satisfação e de visibilidade de poder. Os discursos são outra expressão fantástica de liturgias. O que se fala não é que se diz. E o que se diz tem vários significados, variando da ameaça, às queixas, às lamentações, às insinuações, por exemplo. Interessante, também, a ordem da hierarquia de quem fala e quem fala primeiro. Aliás, falar num ato público, é forte sinal dentro da liturgia do poder.
Como Cuiabá ainda é corte, gosto muito de observar e registrar as liturgias dessa interessantíssima máquina chamada poder político.
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
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