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Descriminalização das drogas divide especialistas
Por Diário de Cuiabá
10/06/2012 - 12:02

Foto: arquivo
A comissão de juristas que debate a reforma do Código Penal no Senado aprovou em maio a descriminalização do uso de drogas no Brasil. A alteração, incluída no anteprojeto que vai ser apresentado aos senadores no fim de junho, libera o uso pessoal de uma quantidade de entorpecente equivalente ao consumo médio individual de cinco dias. Em Mato Grosso, especialistas e autoridades ligadas a área de prevenção e combate aos entorpecentes apontam os efeitos positivos e negativos da decisão. Coordenadora do Centro Regional de Referência em Capacitação Permanente de Profissionais que atuam com usuários de crack, outras Drogas e seus Familiares da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a professora-doutora Delma Perpetua Oliveira de Souza acredita que a proposta é polêmica, audaciosa, necessária e trará mudanças em todos os segmentos sociais. “É a oportunidade que a sociedade está tendo de discutir, definir qual a política sobre drogas que ela almeja. É a possibilidade de trazer para a arena um debate sem hipocrisia, mas, sobretudo, a forma de encarar uma situação sem medo, opressão e de forma democrática de ver o ser humano como sujeito de sua história”, disse. “Através dela, serão necessárias mudanças nas estruturas da sociedade. O Estado terá que se responsabilizar e prover mudanças em suas instituições da educação, sistema sanitário de saúde, órgãos de controle e fiscalização”, acrescentou. Assim, ela entende que a descriminalização traz aspectos altamente significativos no controle que o Estado e a sociedade terão sobre as violências causadas pelas drogas lícitas e ilícitas, podendo daí estabelecer políticas adequadas e eficientes na prevenção, assistência e reinserção social. “O sistema sanitário deve garantir em sua estrutura a assistência aos usuários e seus familiares conforme os preceitos Constitucionais”, reforça. Além disso, a professora-doutora ressalta que a questão do uso abusivo de drogas transcende os aspectos jurídicos. “É uma questão social e de saúde pública. Portanto a proposta que tramita no Congresso advém da necessidade de adequações das condutas da sociedade, em virtude das mudanças dos usos e costumes advindos com os avanços tecnológicos, sendo de grande relevância a participação de todos os segmentos da sociedade nos debates, mostrando assim qual a legislação sobre drogas deve vigorar na sociedade”, acredita. Delegada de Repreensão a Entorpecentes e Coordenadora do Programa de Cara Limpa contra as Drogas, Alana Cardoso se posiciona contrária à descriminalização. “Tinha que endurecer a legislação, criminalizar e não facilitar o uso”, defende a delegada, fazendo questão de frisar que ainda não conhecia o texto que prevê a descriminalizado do uso. Alana Cardoso entende que a descriminalização pode estimular o uso diante das dificuldades existentes em reprimir o tráfico. Atualmente, destaca a delegada, a identificação do que é tráfico ou do que se configura como uso é muito subjetiva. Assim, o mais comum para determinar casos de flagrante não é a quantidade, mas as circunstâncias em que o usuário ou traficante é pego pela polícia. Entre as situações, ela cita o fato da pessoa estar passando a droga, se está com dinheiro, se ao seu redor e proximidades há papelotes, entre outros materiais usados para acondicionar o entorpecente. Outra situação bem característica é o tipo de droga que a pessoa estiver portando. A delegada cita, por exemplo, que a cocaína custa entre R$ 20 (pó) e R$ 50 (pino). “Quem usa é a classe média. O pobre usa a pasta-base e maconha”, destacou. Mais ainda. Alana Cardoso entende que a definição da quantidade para o consumo pode passar pelo mesmo problema enfrentado para determinar a embriaguez ao volante. “Se não estiver dentro da quantidade, não será caracterizado como tráfico, mesmo sendo. Pode engessar ou limitar o julgamento”, alertou. Por isso, a polícia, que conhece as artimanhas, faz buscas em áreas próximas como os matagais para localizar drogas jogadas ou escondidas pelos traficantes. Doutora avalia que nova lei não vai aumentar o consumo Da Reportagem “Uma vez que o Estado está promovendo uma alternativa para lidar com a questão, entendo que a liberação das drogas não irá causar como muitos pensam uma explosão no consumo. O consumo existe e, os usuários de hoje farão o uso com ou sem a lei. Os que não usam precisam de orientações para não querer usá-las com ou sem a lei”. A opinião é da professora-doutora Delma Perpetua Oliveira de Souza. Com a lei, Delma de Souza acredita que o Estado poderá ter um controle maior e adotar políticas sociais mais eficientes. “Por exemplo, na prevenção, deverá estruturar o sistema educacional com professores mais preparados em sua formação para lidar identificar o aluno com distúrbios de comportamento e aprendizagem e, posterior, encaminhamento deste para a assistência psicológica”, disse. Hoje, conforme ela, a escola se omite e acha mais fácil expulsá-lo do sistema educacional e, conseqüentemente, direcionando-o à criminalidade. “A família, por sua vez, sem condições de entender e ajudar no processo, esconde a situação. E quando não consegue exercitar o seu papel de provedora, educadora, passa estas funções para o Estado”, frisa. A professora-doutora entende ainda que a situação do uso de drogas não está afeto a indivíduos isoladamente, mas um comportamento disseminado em todas as classes sociais, iniciando muito precocemente em termos de faixa etária com fins diversos. “Acredito que no início teremos a sensação de aumento. Na realidade o que deve acontecer é o uso não ser mais um caso criminal e as pessoas poderem buscar ajuda quando achar que devem sem medo e estigma como se busca ajuda para outras doenças crônicas (diabetes, hipertensão arterial, tuberculose e outras)”, pondera. Ela reforça ainda que pouco se tem olhado para o usuário de drogas, mas apenas para o produto. “Estes são inúmeros. Além dos mais visados como maconha, cocaína e subprodutos desta (crack, pasta-base, merla) têm inúmeros existentes no comércio legal como os medicamentos psicotrópicos, substâncias inalantes como acetona, esmalte, gás de geladeira, gasolina e outros tantos de mais fácil acesso. E os poucos ainda referenciados, entre eles os anabolizantes. Neste contexto, acho que ao adotar a discussão da questão como sendo ‘sobre’ e não mais ‘anti’, o país deu um passo para a seriedade com que a questão da dependência deve ser tratada”, finaliza. Porção deve ser suficiente para até 5 dias Da Reportagem O anteprojeto do Código Penal deve ser entregue até o final de junho ao Congresso Nacional. Depois, será votado no Senado e na Câmara dos Deputados. O texto aprovado diz que a substância para uso pessoal será assim classificada quando a quantidade apreendida for suficiente para o consumo médio individual por cinco dias. Caberá à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) regulamentar a matéria em relação a cada droga caso a modificação seja aprovada no Congresso. O entendimento é que quanto maior o poder destrutivo da droga, menor a quantidade diária a ser consumida. A redação diz ainda que depende do fato concreto, se a pessoa for surpreendida no ato da venda não há dúvida, é tráfico. Na proposta dos juristas, o tráfico de drogas pode ter pena de cinco a dez anos e multa. Para determinar se a droga realmente destinava-se a consumo pessoal, o juiz deverá saber a natureza e a quantidade da substância apreendida, a conduta do infrator, o local e as condições em que ocorreu a apreensão, assim como as circunstâncias sociais e pessoais do consumidor de droga. Os juristas ainda incluíram um novo artigo ao anteprojeto para criminalizar o uso ostensivo, mesmo que pessoal, de substância entorpecente em locais públicos, nas mediações das escolas ou outros locais de concentração de crianças ou adolescentes. A atual Lei de Drogas, em vigor desde 2006, estabelece que o uso de entorpecentes é considerado crime. No entanto, a legislação não prevê pena de prisão para o usuário, fixando medidas alternativas.
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