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Mundo digital
Por por Gustavo Oliveira
04/05/2014 - 07:35

Foto: arquivo


A historinha contada em forma de diálogo é tão engraçada quanto perturbadora. O homem telefona para encomendar uma pizza e descobre que a pizzaria foi comprada pelo Google. A partir daí, é o atendente que comanda a conversa, antecipando a preferência do cliente, sugerindo o melhor alimento para a sua saúde, lembrando-o de que não está tomando o seu remédio regularmente e mostrando que sabe tudo sobre ele, pois possui um banco de dados com todos os seus gostos e hábitos. É tamanha a intromissão em sua vida, que lá pelas tantas o sujeito explode: 

– Estou farto da internet, de computadores, do século 21, da falta de privacidade, dos bancos de dados e deste país... 

E cancela o pedido, avisando que no dia seguinte mesmo vai viajar para bem longe, talvez para uma ilha desabitada na Oceania. Depois de um silêncio constrangedor, o atendente avisa: 

– Seu passaporte está vencido. 

O Grande Irmão, profetizado por George Orwell, venceu a parada. Programas de computador cada vez mais sofisticados mapeiam não apenas o perfil de consumo das pessoas, mas também detalhes inimagináveis de sua personalidade e de seu comportamento. Cadastros são comercializados a preço de ouro. Lojas e bancos sabem quanto você ganha, se você é bom pagador, se gosta de comer pacu, se viaja sozinho ou acompanhado. Antigamente só o padre sabia isso, porque perguntava. E não contava para ninguém. Agora todos sabem e todos revelam. 

Temos um pouco de culpa, certamente, pois vamos deixando impressões digitais por onde passamos. Mas as armadilhas são muitas e irresistíveis. Você ganha um brinde aqui, concorre a um prêmio ali, aproveita uma oferta de ocasião, recebe um cartão de fidelidade, mas em troca tem que informar seu CPF, o nome do seu avô, o gênero de literatura preferido, a geleia que consome no café da manhã. Aí não pode se surpreender quando estiver percorrendo uma zona comercial da cidade e receber um alerta pelo celular: “Aquela centrífuga que você procura está em liquidação na loja da frente”. Isso, porém, é o de menos. O risco maior é o da discriminação: ao saber que você costuma pesquisar preços antes de comprar, o lojista deduz que seu poder aquisitivo é baixo e dificulta o seu crédito ou oferece produtos de segunda linha. 

O homem ama e respeita o homem enquanto não consegue julgá-lo, escreveu certa vez Thomas Mann. Na era da informática, estamos sendo avaliados e julgados o tempo inteiro. E, para sermos amados e respeitados, talvez tenhamos mesmo que viajar para as ilhas Fiji. 

Bom, pelo menos o meu passaporte está em dia. 



* Gustavo Oliveira é diretor de Redação do DIÁRIO DE CUIABÁ

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