Segundo o que normalmente se aceita em termos de pensamento filosófico, ao menos dos não oposicionistas a Kant, a realidade é como nós a conhecemos.
Daí resulta que a realidade muda com o conhecimento. Ainda que para Marx nada exista além dos fenômenos, dada sua concepção materialista de mundo e de conhecimento como superestrutura, baseado nas nossas necessidades e nos nossos interesses, o certo é que o pensamento kantiano resta atualizado.
Partindo dessa premissa como verdadeira, de que o conhecimento faz a realidade, como pode um homem ou uma mulher chegar à autoconsciência? Pela contemplação? Goethe responde que não, mas, sim, pela ação.
Então, é legítimo concluir que o homem ou a mulher de ação é que faz história, que muda a realidade. Mas, e se a ação for entregue ao rebanho, mais precisamente, ao espírito de rebanho, ou seja, a qualquer movimento entregue a si mesmo, sem qualquer referencial teórico ou posicionamento político pragmático?
Estar-se-ia, aqui, a endossar uma realidade mediocrizada dos novos tempos?
Na novela de Chesterton – Ingenuidade do padre Brown -, existe uma passagem, também lembrada por Antonio Gramsci nos “Cadernos do Cárcere”, do seguinte tipo: “Uma velha senhora mora em um castelo com vinte servos; é visitada por uma outra senhora e lhe diz – Estou sempre tão sozinha etc. O médico lhe anuncia que há peste nos arredores, perigo de contágio etc., e então ela diz – Mas somos tantos!”.
O que separa a necessidade de cada qual da capacidade de cada qual, e, de ambas, da concepção de justiça de cada qual? Se o conhecimento transforma a realidade; se é estruturante, não lógico, portanto, e dependente de premissas mais ou menos sólidas, mais ou menos confiáveis, saneadas ou não por processos dialéticos, podemos afirmar que os fatos sociais são arquétipos à disposição dos diversos mecanismos de apreensão, sempre dependentes do preparo dos intérpretes.
Nesse caminhar, e somente após cuidadoso emprego de contemplação, apesar de Goethe, e para se evitar argumentos sem prova, é que se pode introjetar a afirmação do professor Richard Epstein, da Universidade de Chicago: “O estudo sobre as instituições humanas é sempre uma pesquisa sobre as imperfeições que se revelam mais toleráveis”.
Atualmente, vimos manifestações e passeatas acontecerem sem qualquer componente ideológico ou político-partidário.
Manifesta-se contra ou a favor de qualquer coisa, não há uma pauta pré-definida.
O sujeito se identifica como participante de algo maior, que transcende às crenças ou ideologias, se colocando num patamar moral superior, dizendo ser apartidário ou encarnação de uma consciência universal legitimadora.
Instituições e poderes têm sido vítimas disso. O argumento de autoridade perde cada vez mais espaço para a crença na relatividade de tudo.
A realidade que se está a formar santifica o discurso da individualidade em face do Estado e do coletivo, pois, o que sobra é a irresponsabilidade intelectual e ética. A arrogância é a marca - penso assim, e dane-se o resto.
Não há espaço para o diálogo e confronto de ideias, mesmo porque seus adeptos não as têm.
Fundam-se na convicção de que as restrições sociais são causa de infelicidade e inquietude, fazendo coro à afirmação de Rousseau de que “O homem nasceu livre e por toda parte se encontra acorrentado”.
Da rede de descanso a saborear um cachimbo, sou só contemplação. Menos ação, menos..., se o caminho não é pensado.
De realidade em realidade, estou conhecendo o mundo. É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é juiz de Direito em Cuiabá.