Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Cáceres: princesa da bela tiara e cabeleira despenteada
Por por Guilherme Vargas
19/05/2014 - 12:56

Foto: arquivo

Se brasileiro tem síndrome de cachorro vira-lata, nós, de Cáceres, carregamos o estigma de ser a pulga desse cachorro. Vira-latas são cães fiéis, como dizem os que têm um. Mesmo que virem os latões de lixo ou que faça tudo que qualquer cachorro de raça faça, ainda são vira-latas porque os estigmatizamos como inferiores... Imagine então a baixeza das pulgas destes!

 

Ficamos revoltados por ruas esburacadas, casarões históricos caindo, periferia crescendo, gente pedindo. Isso nos incomoda muito! Mas por quê? Não, não nego que esses problemas existem; são reais, dolorosamente reais, porem nos persegue uma “auto-raiva” por não conseguirmos desvincular daqui.

 

Gosto de estar aqui. Quero viver aqui. Porem não deveria, afinal existem lugares muito “melhores”... Mas, melhores para quem? E, por acaso, conseguimos perceber porque ainda gostamos tanto de Cáceres? Não é questão de merecimento ou desmerecimento ou ainda de comparações inconsistentes com outros lugares; acredito que fazemos considerações equivocadas para definir o melhor lugar para se viver.

 

Está errado o modelo de cidade e de qualidade que temos aplicado. Redes de lojas, franquias de fast food, viadutos, semáforos de led, jardinagem de canteiros e praças, prédios de arquitetura arrojada, número de edifícios, não fazem de um lugar o melhor para viver. O modelo de metrópole se mostram inadequados à qualidade de vida. E é este modelo que queremos ver implantado para se ter “novas” e “renovadas” cidades. Alguém ganha com este modelo, e não somos nós, simples pessoas da massa. Alguns poucos privilegiados, que lucram com esta falsa noção de ordem e de progresso são os que incitam em nós desejar esse modelo de cidade e de vida.

 

Mesmo se tivéssemos tudo que se propõe em relação ao desenvolvimento urbanístico, ainda assim estaríamos descontentes conosco, porque nosso problema principal está em outras percepções. Estamos feridos de morte em um bem importantíssimo para melhora da nossa qualidade de vida: nossa autoestima!

 

Antes de saber de um possível remédio, vamos buscar perceber porque ficamos doentes. Em um passado nem tão distante fomos atacados em nossa autoestima de mato-grossenses, afinal descendíamos de “índios”, como se isso fosse um fator negativo. Fomos acusados de falar errado e também éramos preguiçosos, portanto não ajudávamos no “progresso” do estado. Assim se criou o estado do sul, criticamente diferente de Mato Grosso. A história provou a inconsistência desse discurso.

 

E hoje novamente nossa autoestima é atacada. As acusações são as mesmas: povo preguiçoso, falam errado, são contrários ao progresso... A diferença é que hoje Cuiabá, berço da cultura pantaneira, não rivaliza com nenhuma outra cidade: ela é a capital e maior cidade sem qualquer questionamento. Ganha nossa capital ter dado origem, direta ou indiretamente, à todas as cidades de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Ganha a cidade verde por ter história e cultura própria; e nos valores de atualmente, ganha por centralizar a economia do estado. Ela está segura. Mas esse novo discurso nos atinge diretamente, afinal nos colocaram uma condição de rivalizar com outras diversas cidades e culturas no interior do estado. Nosso passado foi esquecido e a nossa perspectiva de futuro foi proclamada tacanha.

 

Esse novo discurso nos coloca a culpa de buracos, ruínas, pobreza... uma feiura só! E nós, o que fizemos? Internalizamos esse discurso e nos ferimos, criamos chagas enormes em nossa autodeterminação. Parece que gostar de Cáceres é gostar de coisa parada; é gostar de retrocesso... Passamos a acreditar que estivemos por mais de 200 anos construindo uma currutela. Aceitamos tudo aquilo que queriam nos fazer acreditar.

 

Não esqueçamos que esse discurso não é nosso; ele vem de fora. E reconhecemos que não é o discurso daqueles que vem de fora para aqui ficar. Xenofobia ou bairrismo não combinam com a maneira de receber bem, de querem bem quem nos adota como povo. Não precisa nascer aqui para ser de Cáceres; basta aqui estar e se sentir pertencente a esta ciranda em vivências, indiferente de bem e mal.

 

Os que nos julgam culpados de nossa própria sorte são tão obtusos que tem a capacidade de confundir com bobocheirice nosso bem querer. Também não nos cabe buscar culpados, pois buscar culpados é medíocre; coisa de quem quer justificar frustrações. Onde foi parar nossa autoestima? Lembro-me que um famoso jornalista de Cuiabá dizia que éramos de origem nobre! São tantas coisas que os livros de história nos contam que poderiam fazer de nós soberbos. Carregamos um jeito mais humanizado de encarar este mundo tão agressivo e tudo isso com um sorrisão no rosto! Acho que é por lavarmos a vida diante da beleza do Pantanal.

 

Queremos sim uma cidade sem problemas de asfaltos, sem alagamentos, com renda melhor distribuída, com transporte público eficiente, com preservação do patrimônio histórico, com qualidade de saúde, de educação, de serviços públicos e privados, mas que isso não seja a razão de nosso querer viver aqui. A capacidade de indignação que carregamos é uma qualidade, e não poder ser ela o motor de nossa auto desconstituição. Juro sem fazer figa que temo a capacidade de recuperar nossa autoestima, principalmente para perceber que nela está contida a qualidade de vida e a construção da cidadania que precisamos. Esperamos que a Princesinha do Paraguai penteie seus cabelos para ostentar sua tiara!

 

E se eu me perguntar: por que eu gosto daqui? Que a resposta seja: porque aqui sou importante, bem quisto e posso fazer deste o melhor lugar para eu viver.

 

Guilherme Vargas é professor

Carregando comentarios...

Artigos

Nascemos nus

19/05/2014 - 11:35
Utilidade Pública

Resenha:"Como me libertei do alcoolismo'

19/05/2014 - 11:30
Cidades

Cáceres: preso morre de pneumonia

19/05/2014 - 10:38
Utilidade Pública

Transporte de peça gigante causa lentidão na BR-070

17/05/2014 - 17:19