O pensador argentino,professor LuisAlbertoWarat, trabalha com a perspectiva do discurso como fator de dominação e não de legitimação democrática ou do direito. Logo no início do capítulo I, do livro de II, de sua Introdução Geral ao Direito, emenda: “A ciência jurídica, como discurso que determina um espaço de poder, é sempre obscura, repleta de segredos e silêncios, constitutiva de múltiplos efeitos mágicos e fortes mecanismos de ritualização, que contribuem para a ocultação e clausura das técnicas de manipulação social... a montagem mítica que impregna o discurso jurídico ocidental gera uma relação imaginária entre o saber e as práticas do direito... Isto introduz um campo simbólico (um eco de representações e ideias) que serve para dissimular conflitos e antagonismos que se desenvolvem fora da cena linguística”.
De se notarque, tanto Alexy quanto Warat, buscam dar caminhos para a tomada de decisões no campo jurídico. Um mais dogmático, encerrando conceitos e criando sistemas operacionais, como o uso da ponderação no conflito entre princípios. Outro, mais crítico, com viés cético quanto às reais intenções dos mecanismos de conformação do direito.
Para Warat, a visão do Estado como ordenamento jurídico serve para construir a imagem de uma sociedade homogênea, harmoniosa, uma sociedade na qual o conflito adquire sempre o sentido de uma transgressão legal. Nesse sentido, não há espaço para posicionamento crítico, sendo este criminalizado como subversivo ao sistema. Aqui residemos antagonismos entre os dois citados pensadores.
Alexy tem, na fundamentalidade, o pressuposto de correção do sistema jurídico para se evitar erro de interpretação e aplicação da lei. Contudo, é possível que a inquietação de Warat o levasse a perquirir: como descortinar as contradições do sistema para posterior correção se ele próprio, o sistema, não é digno de confiança? A origem do arcabouço jurídico para Warat está na dominação, o Estado como discurso de poder supõe a existência de uma linguagem que censura e manipula o imaginário popular para construir a cultura oficial. Esta linguagem domina e é cúmplice do direito.
O Direito como instrumento de dominação é motivo de profundas reflexões no campo filosófico. Na Alemanha nazista, com a aplicabilidade conceitual de Carl Schmitt, teve o arcabouço jurídico-constitucional construído em bases razoáveis, e, ainda assim, não impediu a dominação e subjugação de seu povo. Os operadores da ciência jurídica precisam estar atentos; preparados para a utilização de seu campo de estudos de forma a manter o princípio democrático e a legitimidade do sistema constitucional. É por aí...
GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO é Juiz de Direito e escreve aos domingos em A Gazeta (ideia central do texto exposta pelo articulista junto à Universidade de Lisboa) (e-mail: antunesdebarros@hotmail.com).