Eu sei, não há palavras, mas eu insisto nelas!
Insisto pra, quem sabe, aplacar do coração essa estranheza. Olhos que transbordam como se rios inteiros quisessem fecundar um chão já deserto.
O silêncio não diz nada. É como se uma parte inteira da humanidade tivesse sucumbida ao meu lado. Tem razão, a morte de alguém que admiramos é a morte de nós mesmos. Um pedaço que se vai e um buraco que fica pra nos lembrar quem somos. Ausências também nos constituem.
Lúcia me fará falta. Não à minha vida privada e cotidiana, essa condição particular que nos encerra na pequenez do indivíduo e que compartilhamos com tão poucas pessoas. Fará falta à condição de gênero humano, à mulher que luta e se debate com sua força e sua delicadeza, com a dureza do mundo e a belezura da vida.
Fará falta quem nunca fugiu da luta, nem nos momentos mais difíceis, nas últimas horas, no derradeiro instante em que a morte espreita a vida e dela se apossa.
Fará falta a alegria simples, a entrega às convicções mais puras. Uma crença quase infantil, sem pretensão que não fosse aquela de mudar o mundo. Como se bastassem nossas vidas pra mudar o mundo!
Fará falta aquela incapacidade de fazer acordos, conchavos e aquela rebeldia insana, resistência a se enquadrar, se adequar à real política. Como se o real pudesse ser apenas o sonho que orientasse a ação política. Como se a política não destruísse os sonhadores.
Fará falta a mulher no poder, fora do lugar, incômoda e incomodada. E a outra, no seu lugar sindical, dos movimentos, das palavras de ordem, dos punhos cerrados e sorrisos abertos.
Fará falta a mulher combatida e combatível. Aquela que conseguiu amar seu lugar, sem que esse lugar fosse o que pudesse ser medido, quantificado, organizado por um poder, um governo, uma cultura. Lúcia era de todos os lugares. De todas as partes. Era das gentes de mãos calejadas, rostos cansados, dos que lutavam e dos que já não podiam lutar.
Fará falta aquela franqueza dura no olhar e a alegria desconcertante, como a nos obrigar a seguir em frente, sem lágrimas, nem lamentos.
Agora que os laços materiais se desfazem, o que nos resta senão agradecer por tê-la, pelo que nos trouxe e pelo que nos deixa?! A ausência de alguém que se vai, é parte de nossa miserável condição individual, mas não se desfaz a História da Humanidade que segue indefinidamente reinventando opressores e oprimidos, produzindo seus rebeldes, sonhadores, lutadores armados ou não. Incompreendidos. E por toda parte e por toda História, há Lúcias que vivem e morrem, anônimas ou não, para dar sentido ao que chamamos de Vida! E a elas minha homenagem, que estejam sempre PRESENTES!! Para sempre, obrigada, Lúcia de Lourdes Gonçalves!!