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'Eu queria ser garçon'
Por VANESSA MORENO E ENOCK CAVALCANTI
22/01/2015 - 08:16

Foto: arquivo

Gabriel Novis, consagrado como reitor fundador da UFMT e, agora, como cronista, dispensa a Academia e só quer saber de sossego

“Eu não vejo mérito em entrar na Academia de Letras”, afirma o respeitado e aplaudido médico e educador, um dos responsáveis pela implantação da Universidade Federal de Mato Grosso. 

Apesar da infinidade de conteúdos, o cronista do blogue Bar do Bugre, um dos mais ativos da mídia mato-grossense, hoje em dia não quer se dar ao trabalho de publicar um livro. “Eu não tenho nenhum livro publicado, dá muito trabalho. É um legado que vou deixar pra minha família, se eles acharem interessante eles publicam”. 

Gabriel escreve suas crônicas sobre o cotidiano para o seu blogue, sendo reproduzido, vorazmente, por jornais sites e revistas, da capital e do interior. Já são mais de duas mil crônicas, com reproduções incontáveis na internet, o suficiente para publicar cerca de 20 livros. 

Gabriel é um senhor sossegado, que completa 80 anos de vida, neste ano de 2015 e que escreve por paixão, sem preocupação em atingir determinado público e nem tem limites para os assuntos que aborda. “Na verdade, escrevo pra mim mesmo, eu não escrevo pra ninguém”, revela. 

Cronista tão disciplinado, que não passa um dia sem produzir, prefere não seguir um padrão naquilo que escreve. Ao ser perguntado sobre as perspectivas que se abrem com o novo governo de Pedro Taques (PDT), em Mato Grosso, repleto de novos secretários, ele declara: “Eu estou um pouco por fora desse assunto” - e completa: “No começo do ano seria normal escrever sobre o novo governo, mas preferi escrever sobre o clima de Cuiabá”.

A crônica intitulada ‘Clima de Cuiabá’ é uma metáfora sobre o clima quentíssimo da nossa capital, mas deixa um ar de crítica para os governantes e para a população que são, em tese, os principais causadores das mudanças climáticas ou “catástrofe ambiental”, como é tratada na crônica, que foi uma das mais admiradas por seus leitores, nesse início de 2015. 

Sobre seu blogue, que tem o nome peculiar de ‘Bar do Bugre’, Gabriel explica: “Bar do Bugre foi o nome como ficou conhecido o bar do meu pai, Olyntho Neves, o Bugre, que funcionou por muitos e muitos anos ali na praça Alencastro e era um dos pontos mais frequentados da capital. Eu queria ser garçom, apenas um garçom, mas meu pai quis que fizesse Medicina”, descontrai. 

No blogue estão registradas todas as suas crônicas que diariamente são atualizadas. “Escrevo sobre o cotidiano, o que acontece nas ruas, nas conversas, nos olhares, no meu coração”, conta. 

Gabriel Novis se formou em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e, ainda hoje, incansavelmente, mantém sua clínica de médico ginecologista aberta, na tradicional Clínica Femina, em Cuiabá. Em 1968, enquanto Secretário de Educação, no governo de Pedro Pedrossian, foi designado pelo próprio governador a montar uma universidade de ensino superior em Mato Grosso, quando o Estado ainda não era dividido, gerando o Mato Grosso do Sul. 

Por haver apenas uma faculdade de direito na região e outra somente no outro polo do Estado, que era a cidade de Campo Grande, havia a necessidade de que houvesse uma universidade aqui, para a formação da juventude. 

No dia 10 de dezembro de 1970, o governo federal criou a Universidade Federal de Mato Grosso com sede em Cuiabá. Gabriel Novis foi um dos responsáveis pela implantação e o primeiro reitor da universidade, durante 14 anos. O trabalho se estendeu de 1968 até 1982 que foi quando Gabriel deixou de ser reitor e passou a ser professor de medicina, até se aposentar. 

Aposentadoria que não teve descanso. Já de pijama na UFMT, se dedicou à implantação do curso de Medicina na Universidade de Cuiabá - Unic, onde permaneceu como diretor por cerca de 10 anos. 

A história de Mato Grosso que sempre foi muito rica em cultura, recebeu um grande impulso com a implantação da UFMT que veio ampliar e consolidar os espaços para o teatro, a música, as artes plásticas, a dança e as mais diversas as atividades culturais. “A implantação da UFMT abriu um leque enorme”, comemora Gabriel. 

O teatro, que sempre teve muita importância na cultura mato-grossense, passou a ter maior visibilidade após a inauguração do Teatro Universitário, que passou a ser um grande centro de difusão cultural e funcionou durante 32 anos, vindo a sofrer reformas somente em 2014, quando passou por restaurações. 

“O nosso teatro é único” exalta. “Macunaíma” de Mário de Andrade, a peça de inauguração do teatro, estrelada por Tônia Carreiro e dirigida por Antunes Filho, segundo Gabriel, marcou um grande momento, em Cuiabá. 

Outro grande fator a impulsionar a cultura na época da inauguração foi a criação do Museu Rondon que veio resgatar e valorizar a cultura indigenista de forma que cada peça exposta fosse vista como uma joia. “Nosso compromisso era, primeiro, com a beleza”, conta o velho mestre. Ao lado do Museu Rondon foi criada a Oca, construída próxima à piscina pelos próprios índios. 

O Museu de Arte e Cultura Popular, dirigido por Aline Figueiredo e Humberto Espíndola, a Orquestra Sinfônica e o Coral foram projetos desenvolvidos pelo próprio Gabriel em conjunto com o seu vice-reitor e dileto parceiro Benedito Pedro Dorileo, proporcionando a alguns mato-grossenses o primeiro contato com a música erudita, popular, folclórica, sacra e regional, além do repertório sinfônico que formaram e formam, até hoje, diversos artistas de destaque. 

Um grande diferencial da UFMT nos anos iniciais foi a primeira Escola de Samba de Cuiabá de grande porte, como as do Rio de Janeiro, criada dentro de uma universidade. A Mocidade Independente Universitária, fundada pelo professor de Educação Física João Batista Jaudy, com o incentivo de Gabriel, era composta em sua grande maioria por alunos e professores da UFMT. 

Os enredos eram criados por um dos compositores da Beija-Flor e relatavam a realidade local. “Quando eles desciam a avenida não perdíamos um campeonato”, conta Gabriel, apaixonado pela beleza da Mocidade. A escola existiu durante 15 anos e foi campeã do carnaval cuiabano por dez vezes consecutivas. 

Gabriel Novis foi muito criticado por permitir uma escola de samba dentro da universidade, mas também recebia muitos elogios, inclusive do antigo ministro da Educação, Cultura e Desportos, Eduardo Portella, que classificou a escola de samba cuiabana, criada sob a égide de uma universidade, como a mais original manifestação da cultura popular do país que tivera oportunidade de conhecer. 

“A universidade foi o grande divisor de águas da cultura mato-grossense” – garante o reitor fundador, sem vacilar. Segundo ele, a criação da UFMT foi fundamental para a consolidação da cultura e carrega uma história muito extensa e desconhecida. “A história verdadeira jamais vai ser escrita” afirma, em tom de mistério. 

“Cuiabá tem uma agitação cultural grande hoje e isso é muito bom”. Gabriel aprecia a diversidade das atividades existentes neste início do século 21 na capital. Ao revelar sua grande paixão pela música, Gabriel conta que está começando a aprender a tocar violão, incentivado pelo amigo Dorileo, que o presenteou no Natal recente. 

Apreciador de novas culturas, Gabriel tem um gosto peculiar. As tatuagens, por exemplo, que explodem nos corpos jovens, por todo o mundo e também em Cuiabá, o atraem e são admiradas por ele: “É uma arte nova, arte de protesto”. 

Como bom entendedor de cultura e pela sua vasta experiência na vida pública, tendo assumido o comando da Secretaria de Educação do Estado por nada menos que seis vezes, Gabriel aponta o grande problema que o Estado vem enfrentando há algum tempo: “Faltam investimentos pra cultura, assim como para tudo” - e lamenta: “A situação do Brasil é muito difícil, o governo tem que investir em Educação, não em ensino, a sociedade precisa de valores”. 

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 Para conferir o blog de Gabriel Novis acesse: www.bar-do-bugre.blogspot.com 

 

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