Conversa pra surdos
Por por Onofre Ribeiro
05/08/2012 - 14:58
Há alguns anos fui ao Sesc Pantanal, 140 km da capital, para entrevistar o presidente da OAB nacional, para a revista RDM. Tínhamos marcado para as 7 horas da manhã. Saí de Cuiabá ás 5, no carro de minha mulher, Carmem. O trecho ente Poconé e Porto Cercado, onde fica o balneário, não tinha asfalto, e chovia. Fui devagar, contornando as enormes poças d´água e cheguei depois das 7 horas. Fiquei sentado com Carmem à margem do rio Cuiabá, debaixo de uma palhoça. Ao nosso lado estavam duas senhoras que me reconheceram e começou a conversa que deu o assunto deste artigo.
Elas eram professoras numa escola estadual no Jardim Industriário, em Cuiabá. Perguntei-lhes como era dar aulas numa escola da periferia. O seu relato foi de doer. A conversa durou a manhã inteira, já que o entrevistado só chegou de um passeio de barco no rio, na hora do almoço, apressado pra arrumar as malas. Segundo elas, a desestruturação familiar é enorme. As mães possuem filhos de vários relacionamentos, já que quase não há casamentos formais, e os companheiros vão e vem ao sabor das dificuldades. Se aperta, somem e se relacionam de novo lá na frente, fazendo mais filhos.
Com isso, uma mãe pode ter cinco filhos de cinco pais. Em geral dormem amontoados de maneira promíscua, com todos os riscos decorrentes disso. Na escola, os meninos e meninas desde cedo não se ligam na disciplina, porque eles não trazem de casa nenhuma educação nesse sentido. A mãe sai pra trabalhar e a rua educa. Assim, professores não podem endurecer com alunos porque sofrem ameaças, já que não raro eles vão à aula armados. O cúmulo acontece quando fazem uma cerquinha dentro da sala, se viram de costas para um casal transar. A professora finge não ver, contaram. A menina muito disputada, se for chamada de “galinha” é um título honroso, já que é popular entre os meninos. Se engravidar, a mãe recebe o filho e ela toca a sua vida como se nada tivesse acontecendo.
E, de novo, a rua continua sendo a escola da educação dos jovens nesses bairros da periferia. Claro que a colocação é genérica e tem honrosas exceções. Aí o leitor pergunta: o que isso quer dizer?
Essas colocações respondem à série de dois artigos anteriores que escrevi neste espaço ao longo da última semana, falando da criminalidade e da insegurança pública, de jovens presos e do sofrimento das famílias depois que eles enveredam pelo crime. Minha amiga Tenente-Coronel Zózima, responsável pela Rede Cidadã, um braço do governo voltado para a proteção da infância e da juventude, diz que isso poderia ser evitado se houvesse interesse político. Se a polícia fosse menos defensiva e mais cidadã. Todos sabem que por razões políticas, para o governo estadual, segurança se faz comprando armas, viaturas, contratando soldados e construindo presídios. Isso dá mais prestígio e dinheiro para o caixa 2 político, do que ampliar a ação das escolas e educar preventivamente. O governo não vai mudar isso, pelas razões conhecidas. Nos discursos, falar em combater a violência com polícia dá votos e gera dinheiro de propinas.
Então, retorno à velha conversinha: a sociedade precisa se mexer para se proteger da violência nascida dentro dela mesma. Uma das sugestões é a participação de pessoas que puderem, em movimentos sociais de voluntariado pela educação, pelo amparo a famílias vulneráveis, etc. Porém, penso que é conversa pra surdos!!!
Onofre Ribeiro é jornalista em Mato Grosso
onofreribeiro@terra.com.br