Diario de Cáceres | Compromisso com a informação
Minha companheira, Grela
Por por Guilherme Vargas
14/04/2016 - 10:03

Foto: arquivo

O mundo gira, e a coroa roda engenhosamente. Se a roda foi a maior de todas as invenções, a bicicleta foi a duplicação dessa genialidade... mesmo que em algum momento cause um tombo ou suje a barra da calça de graxa. É bom para ficar esperto.

O que o mundo destes dias nossos oferece para querer os pneus da bicicleta cheios.... Antes, nem se questionava a necessidade de manter uma bicicleta em plena condição de uso. Para ir trabalhar, para ir estudar, para ir no mercado da esquina, por mais que o esforço para tirá-la de dentro de casa fosse muito maior do que o esforço de percorrer a distância até chegar onde se queria. Servia para ir... para voltar. Hoje incomoda vê-la ali, parada (...), ocupando espaço, por mais magrela que seja: uma Grela!

Ainda estou buscando entender por que aquela bicicleta parada tanto incomoda. Ela me cobra impertinentemente. Incomoda mais que semáforo de led. Cobra mais que criança pelo presente prometido. A bicicleta não cobra nada para si, o que ela cobra é a falta de lógica dos nossos tempos. Olho para ela e lembro do corpo que não se estica, das juntas que doem e da falta de vontade. Falta vontade até para mover a ponta do nariz para fazer cara de nojo para bicicleta: vai que dá câimbra! O que houve conosco?! Andar de bicicleta era necessário porque apresentava-se como meio de transporte mais adequado: barato, leve e cômodo.

Em tempos já idos, ter bicicleta também era realização de sonho de consumo. Comprar a bicicleta era a parte mais cara; depois de pagá-la viria a parte da realização. Os acessórios davam personalidade a frieza do quadro, selim e aros. Espelhos retrovisores, faixas coloridas, adesivos metalizados, para-lamas de cor diferente, campainha daquelas que só se vê em filme. Cada detalhe era uma realização e um novo status. E logo apareceria outro acessório mais “necessário” que o anterior.

Mesmo toda equipada, havendo um passeio ciclístico, mais decoração cabia na bicicleta. Tiras de papel crepom, papel laminado, e até cartaz com recado: era um caleidoscópio pedalável e muitas delas, assim, aglomeradas, percorrendo ruas e praças, ah! Então se fazia a felicidade em cores. Prêmio para a mais bonita, para a menor, para o grupo mais bacana; e para todo mundo, um embornal do Café Brasileiro com certificado de participação. Quem sabe seria este o primeiro certificado de um currículo?! Seria um tanto quanto exótico e extravagante exibir esse item que documenta um momento tão belo. Será que consigo lembra onde guardei o de 1989?

Depois de tanto investir, de tanto pensar estrategicamente como cada acessório comporia o conjunto, não se tratava mais de uma bicicleta, era ela uma companheira. Tanta personalidade requeria um nome ... um nome dado em uma cerimônia simples e marcante: óleo na catraca e a pronúncia no nome! Feito. Estava nominada a companheira de muitas aventuras; ganhava alma. Diante de tanto apego, o pior era encontrar o tal do amigo do alheiro que a levaria sem dó nem piedade. Inveja? Necessidade? Um crime... desventura maior só seria roubar a bicicleta com apenas primeira parcela paga. Piedade, pai!

E hoje bicicletas são tão caras. Os acessórios são pálidos, fosco, cromados... que coisa mais sem vida, mais sem alma. Nem nome se dá a elas. Sem falar que se tornaram zumbis que cobram a gente; que gritam para a gente: -VOCÊ PRECISA EMAGRACER!! –VOCÊ PRECISA DEIXAR DE SER SEDENTÁRIO!! Se antes, para pedalar, o combustível era algumas colheradas de arroz, feijão, bananinha, farofa, hoje o tanque transborda. E o que falta para voltar a pedalar? Nada? Um pouquinho de coragem? Importaria mais a bicicleta voltar a se tornar uma companheira do que um objeto ergonômico.

 

Guilhermes Vargas, professor

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