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Julgamento Político de Contas Públicas
Por por Nestor Fernandes Fidelis
01/04/2016 - 15:34

Foto: arquivo

Déficit Orçamentário Não Gera Inelegibilidade

Muito se fala, nos dias atuais, a respeito de julgamento “político” atribuído constitucionalmente ao Parlamento Federal. É que o Poder Legislativo tem como função atípica o julgamento, similarmente à função tipicamente de competência do Poder Judiciário.

Os registros históricos demonstram que em julgamentos feitos pelas Casas Legislativas, mesmo em se tratando de procedimentos que devam se pautar pelo princípio do devido processo legal e estarem fundamentados à luz dos fatos e do direito, nem sempre há um primor com relação ao critério técnico do julgamento. Ao contrário, como as Câmaras Municipais, as Assembleias Legislativas, a Câmara Distrital e a Câmara dos Deputados são compostas por representantes do povo (o Senado da República pelos representantes do Estado-membro), seus membros tendem a se posicionarem, não raro, segundo a vontade popular, conquanto não haja em muitos casos, estritamente pelo prisma do Direito, suficientes elementos para esta ou aquela decisão, deixando de se levar em conta esclarecimentos e justificativas tecnicamente apresentadas pela parte interessada.

Referimo-nos a isso com o fito de trazer à tona uma situação bastante comum e comentada neste ano em que haverá eleições municipais: o julgamento pelas Câmaras Municipais em que se reprovaram contas de responsabilidade de prefeitos, em sintonia com os pareceres emitidos pelos Tribunais de Contas Estaduais, ou pelos Tribunais de Contas Municipais, onde estes existam.

Com efeito, ainda prevalece o entendimento das Cortes de Contas de que não cabe recurso contra o “parecer prévio” por elas emitido, sob o argumento de que se trata de um ato administrativo meramente opinativo e sem força decisória. Todavia, tal pensamento encontra-se totalmente equivocado, pois basta verificar que o Poder Legislativo, que tem o Tribunal de Contas como seu órgão auxiliar, não pode contrariar o posicionamento exarado no parecer, salvo por maioria qualificada de dois terços de seus membros, fato que dá azo a inúmeras negociações indesejadas no mundo político.

Ora, os efeitos de um parecer prévio pela reprovação das contas de um gestor são inúmeros, sobretudo quando por ser o prefeito um agente político ocupante de um cargo eletivo, sendo que a reprovação de contas pode gerar sua inelegibilidade, além de outras penalidades.

Logo, ainda que já existam juristas e Conselheiros de Tribunais de Contas que não se esquivaram de enfrentar tal questão e adotaram publicamente o pensamento segundo o qual o parecer prévio tem sim efeito vinculante, conquanto relativo, a ideia de que não cabe recurso contra o dito parecer faz com que se perpetuem erros que poderiam ser corrigidos, pois errar é normal, principalmente ao se analisarem contas com tantos detalhes e que requerem cada vez mais meios tecnológicos avançados para serem prestadas e fiscalizadas.

A prática processual junto aos Tribunais de Contas evidencia que mesmo tendo-se garantido o exercício do contraditório e ampla defesa (se é “defesa” resta claro a existência de uma decisão de mérito com diversos efeitos e não uma mera opinião), é possível, e ocorre com frequência, que somente após a emissão do parecer prévio sejam observados alguns elementos que não foram vistos antes. A correção de tais erros evitaria uma decisão equivocada e, também, os danosos efeitos para com o gestor público.

Insta ressaltar que o prefeito não tem como saber de todas as minúcias administrativas e extremamente técnicas ocorridas na gestão, mesmo porque no Brasil, quanto ao critério científico, para ser prefeito basta ser alfabetizado, não se fazendo mister ter conhecimento de contabilidade pública, licitação, recursos humanos, responsabilidade fiscal, etc., razão pela qual existem pessoas responsáveis e vinculadas ao serviço público para lidar com tais áreas, dentre outras, todos os dias.

Entretanto, quando o procedimento já na Câmara Municipal e vai a julgamento, tendo a indicação do Tribunal de Contas pela reprovação das contas, mesmo contendo possível erro por parte deste órgão de controle externo, que poderia ser corrigido se fosse admitido recurso contra o parecer “decisório”, as galerias das Casas de Leis são tomadas por pessoas ligadas aos parlamentares de oposição que, em coro, exigem a aludida reprovação não somente com base em elementos técnicos contidos nos supostos itens não sanados, mas também em elucubrações políticas e sem fundamento, ou já esclarecidas na fase processual do Tribunal de Contas, mas aventadas pelos discursos acalorados na tribuna do Parlamento.

Ainda assim, nem sempre a reprovação de contas pelo Poder Legislativo gera a inelegibilidade. Por exemplo, não gera a inelegibilidade a reprovação de contas com base em déficit orçamentário apontado pelo Tribunal de Contas, quando nos anos posteriores há superávit. Neste sentido é o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, ao analisar caso ocorrido em Mato Grosso, in verbis:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÃO 2014. REGISTRO DE CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. INDEFERIMENTO. INELEGIBILIDADE. LC Nº 64/90, ART. 1º, I, g. REJEIÇÃO DE CONTAS DE GESTÃO. PREFEITO. TCE. COMPETÊNCIA. PROVIMENTO. “1. É possível o enfrentamento da matéria abordada pelo não sucumbente em sede de contrarrazões. Precedentes. 2. Contas anuais de prefeito julgadas pela Câmara Municipal: a rejeição das contas em decorrência de déficit orçamentário superado no ano posterior não caracteriza irregularidade insanável para fins da incidência do art. 1º, I, g, da LC nº 64/90. Precedentes. 3. Contas de gestão apreciadas pelo Tribunal de Contas do Estado: afastada, pelo acórdão regional, a competência do TCE para apreciar as contas de prefeito que age na qualidade de ordenador de despesas, em descompasso com a orientação firmada pelo TSE a partir do julgamento do RO nº 401‐37/CE, acolhem‐se as teses veiculadas nas contrarrazões para determinar o retorno dos autos ao TRE/MT a fim de que sejam examinados os demais requisitos da inelegibilidade. 4. Recurso do candidato provido” (TSE, RO ‐ Recurso Ordinário nº 50406 ‐ Cuiabá/MT, Acórdão de 26/05/2015, Relatora Min. Maria Thereza Rocha de Assis Moura, Relator designado Min. José Antônio Dias Toffoli, public. DJE Tomo 149, Data 06/08/2015, Página 52/53).

Ao demais, impende registrar que, conforme os próprios Tribunais de Contas vem sinalizando, tem sido inviável a rígida exigência de cumprimento de limites de gastos ou de aplicações obrigatórias previstas em orçamento planejado em exercício financeiro anterior, pois a cada ano a crise financeira se agrava mais a ponto de tornar “inadministrável” qualquer ente ou órgão público que não logra aumentar suas receitas.

Com isso, importante que os responsáveis pelo controle de contas, e também os operadores e aplicadores do Direito, estejam atentos para os efeitos legais dos atos administrativos, judiciais ou não, por eles emanados, na busca de seja extraída a máxima efetividade dos princípios constitucionais. Outrossim, os pretensos candidatos devem conhecer seus direitos para se salvaguardarem de indesejados erros de interpretação das leis.

Nestor Fernandes Fidelis

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