Curva fechada em trecho arenoso é sempre perigosa e principalmente quando o gado malha no leito da estrada. Foi num lugar assim, na calha do rio Cabaçal, num ponto perdido da estradinha quase sem movimento, que ligava Cáceres a Lambari D’Oeste, Rio Branco e Salto do Céu, que um caminhão em alta velocidade atropelou vários bois de uma boiada. Desse acidente surgiu a primeira denominação do lugar: Curva do Boi. Isso em 1971. O nome foi bem aceito por todos e inclusive pela meia dúzia que vivia naquele ponto.
De 1975 a 1978 costumava frequentar o bolicho do Rosino, que não passava de um casebre de tábuas coberto com folhas de babaçu, piso de chão batido, mas que em compensação servia a Brahma mais gelada daquelas bandas, na Reserva Nacional da Caiçara, na Curva do Boi, município de Cáceres. Já o tira-gosto não era nada aconselhável: ovo cozido, que ficava azulado no expositor, invariavelmente coberto pelo pó da estrada ao lado e que irreverentemente era chamado de Atestado de óbito. Bons tempos aqueles...
O Rosino era ponto obrigatório de trabalhadores nas parcelas do Incra no entorno. O final de tarde sempre era marcado pela chegada desse pessoal, em suas bicicletas, levando na garupa uma enxada, facão ou foice. Por lá, também apareciam oleiros que ganhavam o pão no batente pesado em olarias na região. O bar virava ponto de encontro de mãos calejadas, de gente sofrida no ontem e sem horizonte para o amanhã. Nas conversas um dos assuntos era a pescaria no Cabaçal, mas sempre havia espaço pra se falar sobre futebol.
A posse da terra na Curva do Boi e na Caiçara como um todo, era mansa e pacífica, mas em Cáceres, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ao invés de buscar solução para a regularização fundiária, costumava criar dificuldades. Vivi essa realidade.
Sete anos depois do acidente com os bois o agricultor José Pedro da Silva, cearense de Crato, comprou uma cessão de direito de 25 hectares de um lote, num contrato de gaveta, para se dedicar ao plantio de arroz e milho; José Pedro chegou ao lugar sonhando com a fartura na mesa, porque ali chovia, o que era sinal de boa colheita, ao contrário de sua terra natal esturricada pelo Sol na barra da Serra do Araripe, no sertão do Cariri, onde o Padim Padre Cícero Romão Batista pregou o Evangelho e ensinou o povo a lutar por liberdade.
Devoto do pai do Menino Jesus, José Pedro deu ao seu lote o nome de sítio São José. Porém, vendo que era grande o número de moradores na região, criou arruamento e destinou 20 hectares para a construção de uma vila, que manteve o nome de Curva do Boi.
Curva do Boi passou a receber brasileiros de muitas regiões, em busca de oportunidade. Alguns montaram olarias para abastecer a construção civil a todo vapor na vizinha Mirassol D’Oeste e em Cáceres, além da modesta demanda local.
Durante ano ouvi duas versões sobre a origem do nome do município. No final de outubro de 2014 fui a Curva do Boi passar o caso a limpo. Conversei com moradores antigos, mas somente o secretário de Obras e Serviços Públicos, Gabriel Frades da Silva, que chegou ao lugar pouco antes de sua emancipação, contou a história da mudança, que retirou a bonita denominação de Curva do Boi para a atual, que julgo fria e distante.
Não há comparação. Curva do Boi é nome forte, ao passo que Curvelândia é lugar comum. Mato Grosso não encontra inspiração mesmo com tantos belos nomes de municípios pelo Brasil, a exemplo de Feliz Natal, Luciara, Barcarena, Passo Fundo, Borda da Mata, Itanhomi, Brasília, Ubá, Guarapuava, Ibitiara, Carolina, Parintins, Mimoso, Bonito, Macaé, Itabaiana, Vilhena, Paraúna, Calçoene, Rio Branco, Navegantes, Araguaína, Caracaraí, Currais Novos, Catas Altas da Noruega, Arapiraca, Serra Talhada, Picos, Patos, Quixeramobim, Tupã e tantos outros. Quem tem poder para definir o DNA de identificação teima na falta de criatividade pra denominar suas cidades, como se vê no repeteco de nomes importados acrescidos de algum termo regional, como acontece com Nova Brasilândia, Nova Xavantina, Novo São Joaquim, Novo Santo Antônio, Nova Nazaré, Novo Mundo, Nova Guarita, Nova Ubiratã, Nova Mutum, Nova Maringá, Nova Canaã do Norte, Nova Monte Verde, Nova Bandeirantes, Guarantã do Norte, Nova Olímpia, Rosário Oeste, Planalto da Serra, Ipiranga do Norte, Tangará da Serra, Novo Horizonte do Norte, Conquista D’Oeste, Glória D’Oeste, Mirassol D’Oeste, Nova Santa Helena, Terra Nova do Norte, Nova Lacerda, Figueirópolis D’Oeste, Canabrava do Norte e outras localidades.
O NOME - Frades contou-me – e seu irmão Luis Pereira Frades confirmou – que na campanha eleitoral de 1986 o suplente de deputado estadual Jalves de Laet reuniu-se com correligionários e simpatizantes em Curva do Boi. Além da luta encarniçada por votos o político sugeriu a troca do nome para Curvelândia. A sugestão foi aceita por José Pedro; Diorando Marques de Azevedo – pioneiro -; Luis - o irmão de Gabriel -, e que mais tarde seria vereador; e outras figuras do lugar.
Curvelândia dista 48 quilômetros de Cáceres. Anualmente o município promove a Festa do Queijo e na edição de 2014 produziu o maior queijo minas frescal do mundo, com 1.830 quilos. Esse evento é promovido pela prefeitura em parceria com um laticínio local e divulga a pecuária leiteira da região, que ocupa lugar de destaque na economia desse segmento em Mato Grosso.
A rodovia MT-170, asfaltada, cruza a cidade e faz a ligação com Cáceres e Lambari D’Oeste. A MT-250 dá acesso pavimentado a Mirassol D’Oeste, distante 23 quilômetros.
A Caverna do Jabuti, em Curvelândia, tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico Estadual, é a maior de Mato Grosso. Situada na Serra Padre Inácio, Jabuti foi descoberta há 30 anos e tem quatro quilômetros quadrados. Seus principais salões receberam nome de: Pão de Açúcar, da Taça, da Cocada, Nossa Casa, Cortinado, das Colunas, Buracão, Vaca Seca, Templo da Expansão do Universo, Repolho e Altar do Sacrifício.
FOTO DA CAVERNA: José Medeiros