Para assistir e recordar, 'A pele do desejo'
Por Blog O Falcão Maltês
16/09/2012 - 19:18
Guardo boa recordação da película A PELE DO DESEJO (Salt on Our Skin), de Andrew Birkin, com os excelentes Greta Scacchi (“Verão Vermelho/Heat and Dust”, de James Ivory) e Vincent D´Onofrio (“Nascido para Matar/Full Metal Jacket”, de Kubrick). Os protagonistas terminaram por se casar na vida real e tiveram uma filha, Leila, no mesmo ano do filme. Baseado no romance da escritora, jornalista e feminista francesa Benoîte Croult, o filme é uma história de amor. Ele se chama Gavin MacCall e ela George McEwan. Ele a ama mais que ela a ele, porque os homens sempre amam mais que as mulheres embora demonstrem o contrário. Pede-a em casamento, porém ela não aceita. Não lhe parece um bom partido, não é do seu nível: ela é uma universitária com um brilhante futuro e ele um simples pescador de um pequeno porto na Irlanda. Ele a adora sempre com um amor silencioso, profundo, sofrido, mas se casa sem amor com uma amiga de infância e tem três filhos. Ela também se casa, tem um filho e se divorcia. Seus encontros são uma vez ao ano: ele voa de um continente a outro, cruzando o oceano, para estar com ela somente uma semana e para dizer o quanto a quer. Ela o espera a cada ano com mais ansiedade. Ele não se importa que sua esposa saiba desta relação e sofra com as viagens anuais ao outro lado do mundo, e padece em silêncio. Certa vez, promete regressar como sempre no ano seguinte, porém algo inesperado acontece e ela tem que procurá-lo no seu país... O romance foi chamado de feminista, o filme também. Tem seus admiradores - entre eles, eu - e adversários. “Ela o usava, o desejava, mas não o amava”, disseram. A autora Benoîte Croult sempre defendia a sua personagem: “Ela o amou... Eu sei que o amou, porque ela sou eu. É minha vida...”. Para analisar esta obra discreta e delicada, convidei a poeta grapiúna GENNY XAVIER.
“Ah, meu amor, sejamos verdadeiros
Um com o outro! Pois o mundo, que parece
À nossa frente uma paisagem de sonho,
Tão nova, tão bela, tão variada,
Em realidade não tem nem luz, nem amor, nem alegria,
Nem certeza, nem paz, nem qualquer consolação.”
(Trecho do poema “Dover Beach”, de Matthew Arnold,
uma referência nas vozes dos protagonistas de “A Pele do Desejo”)
Minhas leituras são como fruta doce numa boca ávida de doçuras, e aguçam meus sentidos que se aninham na poderosa fonte do imaginário. Quando as leituras se materializam na tela do cinema ainda mais me trazem um prazer fartamente saciado. Para mim, um exemplo disso é o livro A PELE DO DESEJO - título original: “Les Vaisseurs Du Coeur”, de 1988 -, da escritora francesa Benoîte Groult, que também virou filme com roteiro e direção do talentoso Andrew Birkin, em 1992, intitulado “Salt on Our Skin”. Benoîte é um tipo de escritora que revela muito de si em suas obras, que narra com ímpeto, paixão e talento, seja do ponto de vista da autobiografia como na construção de suas personagens ficcionais. Uma mulher de personalidade própria, com grande consciência feminina e feminista, que viveu e experimentou seus sonhos e as realidades da sua época. Em A PELE DO DESEJO, a escritora nos põe diante das possibilidades do amor, mesmo quando se vive uma história à parte, alimentada fora das barreiras sociais e intelectuais ou além do tempo e das distâncias.
Lembro bem das impressões que tive a cerca da leitura do livro e, logo depois, do filme. Sempre faço isso quando uma obra de arte me chama atenção, procuro refletir sobre o que mais me toca e sensibiliza. Com a história de A PELE DO DESEJO foi assim. Um relato de como a vida, num átimo de instante, pode nos confrontar com tudo aquilo que julgamos ser o oposto de nós, o contrário daquilo que idealizamos e que, por cautela, temor ou preconceito, refutamos. A história mostra a trajetória de vida de duas pessoas de classes sociais e universos culturais diferentes. Ele (Gavin), um simples pescador escocês, com pouca instrução escolar; ela (George), uma intelectual francesa, professora de literatura de requintada educação. Ao tornarem-se amantes ambos percebem que não é possível ter uma vida juntos, entretanto, o afeto que não conseguem evitar sempre os põem à prova, fazendo-os rever suas decisões e conceitos pré-estabelecidos. Recheado de belas descrições das várias paisagens por onde a trama se desenrola, de diálogos ricos e profundos e de uma bela química entre os protagonistas, a obra é uma sensível reflexão sobre a necessidade que temos do “outro” e de como o tempo surpreendentemente é capaz de desfazer nossos equívocos.
Enfim, ao pensar nas voltas e reviravoltas existenciais traçadas pelos protagonistas de A PELE DO DESEJO, eu inevitavelmente penso em quantas histórias reais já se perderam por conta da falta de coragem que as pessoas têm de serem ousadas, de enfrentarem seus desafios diante daquilo que lhes desarmam ou que lhes escapam da cômoda condição das relações convencionalmente compatíveis. Por isso tudo e para que o leitor pense sobre os sentidos que a vida nos transmite suas lições através da inventividade dos artistas que criam suas obras de arte a partir da transgressão da realidade, eu deixo um pequeno fragmento da narrativa de Groult, no trecho em que o protagonista escreve para sua amada: "Antes eu tinha a impressão de que os dias eram todos parecidos e que eles iam ser parecidos até eu morrer. Até que conheci você... e não me peça para explicar. Só sei que quero segurá-la na minha vida, e nos meus braços de vez em quando, se você concordar. Você considera o que acontece com a gente é um pouco como uma doença. Se é doença, eu não quero me curar. A idéia de que você existe em algum lugar e de que você pensa em mim às vezes me ajuda a viver."
Texto de GENNY XAVIER
Poeta, Ficcionista e Professora de Literatura.
Autora do blog literário “Baú de Guardados”
(http://badeguardados.blogspot.com/)