Documentos aos quais a TV Centro América teve acesso com exclusividade mostram como funcionava o esquema de superfaturamento na compra de medicamentos em Cáceres, onde a Polícia cumpriu mandados de prisão e busca e apreensão, no início do mês, durante a operação 'Fidare', deflagrada para combater esquema de desvio de recursos públicos do setor da saúde.
As propostas tinham valores sequenciais crescente com diferença mínima, de apenas um centavo em 15 itens. As propostas também apresentavam características e erros ortográficos comuns. Segundo a PF, os documentos foram feitos pela mesma pessoa e apresentados à Secretaria de Saúde de Cáceres para a compra de medicamentos em regime de urgência, mediante a dispensa de licitação de número 41 de 2012.
Uma vistoria da Controladoria Geral da União (CGU) indica que esta foi uma prática comum na pasta da Saúde de Cáceres entre 2011 e 2013. De acordo com o relatório do CGU, primeiro o responsável pelo almoxarifado encaminhava um pedido urgente de compra de remédios. ArleneAlcântara, ex-secretária de Saúde do município entre 2011 e 2012, autorizava a compra sem licitação e só depois providenciava o pagamento.
Na maioria dos casos, segundo a investigação, com preços superfaturados. Também foram identificadas fraudes em processos licitatórios. Em algumas situações os medicamentos sequer eram entregues.
O prefeito à época, Túlio Fontes, que prestou depoimento à PF como testemunha, disse que não tinha conhecimento das irregularidades porque na gestão dele, a administração era descentralizada.
“Cada secretaria tem a sua autonomia própria, tem a gestão própria. Então, as compras, por exemplo, eram feitas pela secretaria e pagas através da própria secretaria”, disse Túlio Fontes.
A reportagem da TV Centro América procurou a ex-secretária Arlene na casa dela, mas ela não foi encontrada. Ela teria saído da cidade desde o dia 1º de abril, quando foi deflagrada a operação da PF.
De acordo com a CGU, as irregularidades na compra de medicamentos em Cáceres, continuaram também em 2013 na gestão do então secretário Luis Landim. Em uma interceptação telefônica feita com autorização da Justiça, Landim conversa com a ex-secretária Arlene sobre um pagamento e relata o 'sufoco' que está passando por causa do 'pessoal da CGU'.
Landim disse que quando soube das irregularidades tomou providências. “A minha atitude foi pedir a exoneração do cargo, pedi para sair da prefeitura, e protocolei essa carta, documentei esses fatos ao prefeito atual e a controladora também atual e aos outros secretários das pastas”.
O atual prefeito, Francis Maris, que denunciou possíveis irregularidades, diz que mesmo sabendo dos problemas, homologou a licitação iniciada por Landim, porque não havia mais tempo hábil para reiniciar o processo. “Era preferível fazer as licitações e atender as necessidades da população com a falta de remédios do que cancelar todo esse processo depois de seis meses, que ele conduziu, e aí voltarmos à estaca zero”, justificou.
Inquérito
Segundo a PF, até agora já são 47 indiciados, entre empresários do ramo de medicamentos, representantes comerciais e servidores públicos por suspeita de envolvimento no esquema. Eles podem responder por desvio de dinheiro público, fraude em licitação, corrupção ativa e passiva, falsificação de documentos, organização criminosa e crime contra a ordem econômica.
O inquérito ainda não foi concluído. A Polícia Federal analisa os documentos e o material apreendido no dia 1º de abril, quando foram cumpridos 113 mandados de prisão e busca e apreensão em Cáceres, Sinop, Cuiabá e em mais três municípios de Goiás. De acordo com a PF os prejuízos podem chegar a R$ 2,5 milhões, dinheiro que fez muita falta para a saúde do município.
"Pelo montante daria para suprirmos a secretaria com as unidades durante um ano de medicamento. E quem perdeu, com certeza, foi a população", afirmou Carla Pina, secretária de Saúde de Cáceres.
A reportagem entrou em contato com as empresas investigadas pela PF, mas ninguém quis falar sobre o assunto.