Foi descendo, descendo e, por fim, chegou onde deveria chegar. Eram dois volumes bem grandes, em sacos de lixo: azul, para que não parecessem dois cadáveres. Na esteira, uma senhora disse:
-quem é besta de trazer uma fantasia?
A fantasia que ela se referia não era minha, então paguei de besta por analogia. E fiquei feliz por mais pessoas terem trazido a GRANDE lembrança do desfile da Mangueira.
Mas ela tinha razão, como foi difícil transportá-la!
O táxi era caro, mas necessário.
-Por favor, quanto é o táxi até a Alvorada?
-O senhor quer dizer para a Rodoviária de Várzea Grande? (em tom indignado)
-Se a senhora acha que aquele local é uma rodoviária, pode ser até lá mesmo...
R$36,00 que foram um investimento.
Chegando ao carro, começou a chuva. Seguimos. Passamos pelo futuro e de futuro incerto Shopping de VG. Ao som de um hino evangélico agradável fomos descendo, afinal poderíamos estar entrando no rio Cuiabá, pois a chuva virou dilúvio.
A notícia era de que o ônibus tinha saido às 18h de Cuiabá e eu já estava na Alvorada (proclamada Rodoviária de Várzea Grande) fazia em média uma hora. A chuva queria tomar minha fantasia, só pode! Foi tão forte que deu um estouro e a luz se foi. As portas da Alvorada foram fechadas e pelo vão das telhas algumas gotas passavam.
Comprei um Skinny e uma coca para me dar direito de me abrigar no restaurante da Alvorada, afinal, se as tenhas se fossem com o vento, me esconderia debaixo da mesa... Não foi necessário.
De lá olhava os dois volumes em sacos de lixo e mais uma mala. O ônibus chegou às 20h30min na Alvorada, ou seja, duas horas depois do previsto. Embarquei. Saímos.
Na viagem eu ouvia Mutantes. Paramos no Parque da Serra. Continuamos e eu ouvindo Fernanda Takai. Quando acabou a música, fui colocar outra. Ao ligar a luz do tablet ainda com fones, o choque:
-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHH!!! OOOAAAAAAHHHH!!
-SENHOR, OQUE FOI? SENHOR?
-AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHH!!! OOOAAAAAAHHHH!!
-SOCORRO! ACUDAM O SENHOR AQUI!!!
Acendo a luz; o senhor ao meu lado estava tendo uma crise epiléptica... Pessoas ajudaram a medir os sinais vitais. Ele estava ficando frio . .. . .. . sem pulso... Avisaram o motorista. Ligaram as luzes do ônibus. Alguns procedimentos... Ele começou a recuperar(...) Todos tinha sua opinião sobre o caso. O que se fazer? Esperar chegar a Cáceres? Afinal, já estávamos na Serra do Mangaval...
O senhor foi alternando perdas de consciência com balbucios... Foi começando a se acalmar. E agora? Depois de muita preocupação, perguntamos o nome dele. Não, ainda dava pra entender. Para onde iria?
-Quatro estações
-Seria Quatro Marcos, senhor?
-Isso, Quatro Marcos...
Quando já passávamos do Caranguejão do Sem-Terra (não há melhor definição e melhor função para aquilo), ele já falava normalmente...
-Qual é o nome do senhor?
-Jaime.
-O senhor tem telefone? Alguém te espera na rodoviária? O senhor toma algum remédio?
-Não... Não... Não
-O senhor está bem?
-Sim, to bem, mas porque ta me perguntando?
-UHHMMMM!!!!...O senhor passou mal.. Teve uma crise epiléptica!
-NÃO, EU NÃO!! EU ESTOU BEM!!
O motorista parou o ônibus, fez de novo as mesmas perguntas para ele; e tivemos a mesma resposta:
-NÃO, EU NÃO!! EU ESTOU BEM!! NÃO TIVE NADA DISSO...
Fiquei todo o tempo olhando pra ele. De pé. Vigilante quanto à saúde dele. Como se meu olhar e minhas preces o mantivessem seguro. Uma mancha de saliva com sangue na camisa dele evidenciava o que havia ocorrido. Nem eu nem aquelas pessoas nos iludiríamos com aquela crise impactante.
Paramos na rodoviária nova; o matagal de sempre. Desceram várias pessoas e desejavam melhoras e mais cuidado quanto à saúde dele. Ele fazia cara de quem não estava entendendo nada e parecia se irritar com tamanha preocupação... Chegamos à rodoviária do centro, tão glamorosa quanto a Alvorada. Desci. Não me despedi para não constrangê-lo e nem me constranger... Eu e meus dois volumes, uma mala e mais duas bolsas.
Que noite aventureira! Mas não havia acabado: por fim, as torres da Vivo não estavam funcionando. Pra quem ligar para me busca? No final tudo ficou bem... Meio sem jeito, mas acredito que bem. Feliz por ter conseguido chegar com a linda fantasia, que naquele momento eram dois volumes em sacos de lixo bem desqualificados.
Guilherme Vargas: professor, escritor, poeta...
escreve especialmente para o Diário de Cáceres(honra nossa!)