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A dor, a viagem e o afeto: três estórias curtas
Por Por Guilherme Vargas
31/10/2014 - 23:09

Foto: arquivo

Pedra de mim

 

A pedra não estava no meio do caminho. Ela estava dentro de mim. Pedras paradas não dão prejuízo. Mas quando rolam, não conseguem me deixar satisfeito.

 

Ela tinha que sair de lá. Sair com ondas de choque; em ritmo de rock. Ser arrebentada, decomposta em areia... assim se procedeu. Algo ficou.

 

Destruir a pedra foi me autodestruir, mas também me renascer. Foi eu quem a fez; ela e eu somos assim: um só. Fez-me doer a vaidade, fez-me mostras a fragilidade humana.

 

Em crise, não havia conforto e o melhor era ir acostumando com a dor, afinal foram um, dois, três [...] oito, nove dias de dores lancinantes. Dias de muita intoxicação; o que cabia era remediar. Um dado momento quis amar a dor para que pudéssemos conviver. A dor física era o alívio da dor moral, todas as preocupações prévias deste mundo se tornaram banais na relação entre o corpo (matéria) perecível e espírito de valores eternos. Purgou-me a pedra ao ir embora de mim. Parte decompôs-se como areia, e a outra parte ficou inteira e dura como rocha e fez questão descer abrindo espaços: veio rasgando!

 

E saiu, mínima. tintinando... realizada por ter sido mais que pedra.

Minha parte pedra se foi e em paradoxo me deixou mais forte e menos frio.

A pedra em seu caminho de descida me curou.

Tinha um caminho no meio da pedra.

 

 

Estória em uma corrida curta

 

Como todos os outros, esse também era amarelo. Da Barata Ribeiro até o Santos Dumont. Na conversa o desconhecido taxista me diz que já foi casado duas vezes, ambas com professoras de artes. Do primeiro casamento teve uma filha. Mas relembrou de um carnaval da Mangueira há 24 anos, quando assistiu o desfile.

 

Já haviam passado as escolas, então viu um abanico de propaganda de cerveja e pegou do chão. Para registrar aquele dia, pediu que as pessoas que estavam próximas e que se divertiram junto a eles assinassem o acessório. Queria uma recordação do belo desfile e do dia feliz.

 

Entre essas pessoas estavam componentes da Ala das Baianas da Portela. Uma dessas baianas se recusou a assinar o leque. Então ele insistiu! Mas ela resistia...

-Não, não precisa... para quê isso. Nem sou importante para assinar nada. Minha letra é feia...

Ele discretamente foi avisado que ela não queria assinar porque não sabia escrever. Mesmo assim ele pediu, só que com mais gentileza, com aquele charme peculiar do carioca... Ela acabou desenhando o nome, meio sem jeito, mas cedendo aos elogios do rapaz.

-Qual é o nome da senhora?

-Tiana

Ele e a professora de arte, a primeira delas, ainda namorados, acharam o nome interessante. Sabiam que derivava de Sebastiana, provavelmente, mas prometeram que se tivessem uma filha, ela teria esse nome.

Descobriram logo que ela já estava grávida. Grávida de uma menina. E nasceu já com nome certo: Tianna, que atualmente é Engenheira Civil, formada pela UFRJ, que conseguiu um importante estágio e no está início do mestrado na área.

A estória de um nome diferente e lindo; a estória de um pai orgulhoso! Como foi curta ida para o aeroporto.

 

 

Receita do dia

 

Trigo, leite, ovos, pitada de sal, segredos culinários... batido... às conchadas posta na frigideira, malabarismo pra virar, sorriso em preparar:
-filho, quer uma massinha?!
Neste ato sublime, de perceber o outro, de se emocionar com o simples, de pertencimento ao lar, de um toque profundo e intenso no coração, descobri que tinha panqueca para o almoço.

Professor, contista, poeta.

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31/10/2014 - 09:13